8. Quem és tu?

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Kim sobressaltou-se com a voz de Jake. Sem querer, a seringa que pressionava contra o interior do seu braço deslocou-se, fazendo com que a agulha se cravasse noutro ponto de pele.

Apesar da pequena dor aguda, ela olhou para o rapaz que permanecia imóvel, observando-a e ao seu braço, como se fosse a coisa mais invulgar do mundo. Nos olhos azuis dele, ela pôde ler uma promessa de violência, caso não lhe respondesse rapidamente. Sem saber o que dizer, Kim desprendeu a tira de tecido que improvisara como torniquete no seu braço, permitindo que o sangue voltasse a circular fluentemente pelo membro. E perante o olhar incrédulo e impaciente dele, retirou a agulha da sua pele.

– Tu só podes estar a brincar comigo... – Jake sorriu sarcasticamente e virou-lhe as costas, encostando a nuca à porta fechada. Ele devia ter adivinhado. Pela magreza, pelas roupas sujas que definitivamente não lhe pertenciam, por deambular pelas ruas durante a noite com uma mochila velha às costas.

Kim engoliu em seco, assustada, e encolheu-se na cama, pressionando o local onde se tinha injetado e limpando o sangue, que ainda jorrava do pequeno furo onde pressionara a agulha, com as próprias mãos.

– Quem és tu? – perguntou num tom mais calmo, virando-se para ela. Jake tentou ignorar o braço dela, ansiando para que ela estancasse o sangue rapidamente.

– Eu sou a... – começou ela, tentando sorrir. Não se conseguia lembrar prontamente do nome que lhe tinham dado, mas sentia que era o nome perfeito para si. Ainda assim, ele não pareceu interessado na sua resposta.

– Bem, fiz com que cuidassem de ti e mal abres os olhos drogas-te! Aqui?! E estava eu preocupado... – Jake revirou os olhos e abanou a cabeça, tomando a nota mental de que o seu lado altruísta não podia vir à tona sempre que via alguém em apuros.

– Droga? – murmurou Kim em desentendimento. Não percebia o que ele queria dizer. – Eu não fiz nada. Agradeço-lhe por isso, mas...

– Agradecia que te vestisses, deitasses essas merdas fora e saísses daqui – ordenou ele, apontando para a porta. – É para ontem, na verdade.

Kim podia não perceber metade do que ele dizia, ele tinha um sotaque realmente estranho, mas conseguia perceber que a estava a mandar embora. Ela não queria voltar a deambular pelas ruas. Não queria ir embora até ele parar de olhar para ela daquela forma. Tinha medo dele, mas algo lhe dizia que teria muito mais medo do que viria, se não o enfrentasse já.

– Espere! – pediu ela quando ele se preparava para sair. – Porque é que ficou mau de repente? – perguntou reticente, levantando-se do colchão. Ousou aproximar-se dele, o suficiente para que o seu coração começasse a acelerar.

 Mau? Eu? – Ele quase riu. – Não chamei a polícia, vê se atinas.

– Eu só estava a tentar...

– Que te sentisses melhor. Sei qual é a sensação.

– Sim! – Ela sorriu, esperançosa. – Sinto-me bastante melhor agora.

Jake apenas semicerrou os olhos e abriu a porta, mas ela foi mais rápida. Parou de pressionar o braço e colocou-se à frente da porta, tornando a fechá-la.

Ele era estranho, pensou ela. Ele era verdadeiramente estranho e assustador. E faria com que voltasse às ruas.

– Espere... – Como se chamaria? Como deveria abordá-lo? – Ouve-me! Percebeste tudo mal!

– Eu percebi tudo bem, miúda – bufou Jake, afastando-se dela. – Nem condeno que sejas uma agarrada, mas no estado em que estás... Não vais usar esta casa para consumir. Não te conseguimos dar uma ajuda que, sem dúvida, não queres.

Kim mordeu o lábio e fixou um ponto no chão, tentando dar um novo sentido à frase dele. Então, pela primeira vez, inspirou fundo e pediu algo:

– Mas eu quero. – Ela precisava. –  Eu sei que não me conheces e eu ainda não sei como não fugi de ti, mas sim, preciso de ajuda. Quero sentir-me normal e não sei por onde começar. – Ela levou a mão à cabeça e deixou-se escorregar pela porta, voltando a dar atenção ao seu braço sujo. Limpou-o uma vez mais e cruzou-o contra o peito.

Ergueu o olhar para ele e repetiu: 

– Ajuda-me.

Jake estudou-a um pouco mais, perdendo-se na intensidade do seu olhar. Por momentos quis acreditar nas emoções que lia na expressão apavorada da morena. Mas tudo o que conseguia ver era o seu braço com pequenos pontos vermelhos e hematomas recentes. E depois medo. Ela tinha medo dele, e esforçava-se para não o demonstrar, sem sucesso.

Sabendo-se seguido pelo olhar dela, observou o que trouxera da tão preciosa mala, invadindo-lhe a privacidade. Pegou no pequeno frasco quase vazio, cujo conteúdo ela usara para injetar-se, e procurou por um rótulo que não existia.

– Tu não precisas da minha ajuda – murmurou por fim. – E é bom que saias daí.

– Não! – berrou ela, levantando-se num ápice. Esticou-se em bicos de pés e olhou-o com tanto vigor que ele recuou. – Eu não fiz nada de mal! Por favor, não me julgues por querer sentir-me bem. Eu estava tão... Não me julgues – pediu num tom enfraquecido. – Conhece-me primeiro e ajuda-me a conhecer-me. Eu... – Pegou na sua mala e abriu uma pequena bolsa, de onde tirou diversos maços de notas, presos com um simples elástico. – Eu faço o que tu quiseres! Eu pago-te se for preciso. – E mostrou a veracidade da sua afirmação, passando-lhe um dos blocos de notas para as mãos. – Mas ajuda-me de alguma forma!

Jake olhou para o conjunto de dólares que possuía nas mãos e riu sarcasticamente, algo que ela achou curioso, e lançou as notas para o chão.

– Tu é que não me conheces, miúda. Essa merda deve ser mesmo forte se achas que me consegues comprar... – Com o mesmo sorriso de causar repulsa a qualquer ser humano normal, saiu do quarto, deixando-a sozinha. 

***

NOTA DE AUTORA

A Kim foi apanhada a injetar-se e a reação dos dois foi bastante diferente. Porquê? 

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