1. América

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Dia 53

RACHEL NOLAN seria capaz de doar tudo o que tinha para que alguém lhe concedesse mais umas valiosas horas de sono por noite. O longo bocejo, o milésimo do dia, enquanto olhava para o relógio e se distraía com o ponteiro que fazia o tempo avançar devagar, demonstrava o cansaço que se acumulara nas últimas semanas.

Numa utopia perfeita, ela sairia da redação dentro de duas horas, despedir-se-ia dos seus colegas americanos e voltaria ao pequeno bairro onde os sotaques se misturavam e podia fingir estar em casa. Talvez atirasse os sapatos para um canto quando entrasse na casa demasiado grande e vazia para si e então decidisse que queria experimentar outra cultura que não a sua, que não a americana, e encomendasse comida exótica por telefone.

Numa utopia perfeita.

Quando foi convidada pela estação de TV local irlandesa para ser correspondente nos Estados Unidos durante uns meses, aceitou quase de imediato. Ela reconheceu a oportunidade única de visitar o país que nunca conheceria de outra forma, a experiência que adquiriria e o valor assumido para o primeiro emprego. No mesmo instante, imaginou-se responsável por reportagens culturais que envolvessem a comunidade irlandesa na Califórnia e que conseguisse diminuir, na sua ilusão, a distância do Atlântico que a afastava de casa. Ela também pensou que trabalhar durante o verão, na silly season em que a intensidade informativa não tinha destaque, seria quase como umas férias merecidas. Nunca se enganou tanto.

Rachel não adivinhou que a maior pandemia do século estava para chegar quando aceitou o lugar em Los Angeles; não previu que a situação caótica explodiria tão rapidamente, tornando os media o serviço mais poderoso e indispensável para a população desgovernada. Ela não deduziu que a silly season seria focada não na sua Irlanda, mas sim naquele vírus. Durante semanas, o único objetivo foi pesquisar, absorver, perceber, investigar sobre a maior ameaça dos últimos tempos, escrever artigos sobre doenças até à exaustão que nunca diferiam, sobre previsões apocalípticas e sensacionalistas que lhe ofereciam um novo objetivo adicional: causar o pânico.

Ela relia a reportagem que escrevera nas últimas horas, entre bocejos mal contidos, quando uma colega se aproximou da secretária e lhe roubou a atenção.

– Desculpa interromper-te, Rachel, mas tenho correspondência para o chefe. O que que faço com isto? – A jovem jornalista, provavelmente estagiária e sem desempenhar as funções desejadas, acenou com os envelopes recebidos, a expressão desorientada.  

Rachel olhou à sua volta, para as secretárias vazias, para os escritórios fechados. A ironia tomava conta da sua vida enquanto a rapariga continuava a fitá-la, à espera de resposta e orientação, quando ela mesma não sabia ter o poder de decisão certo, já que o seu chefe e a maioria dos trabalhadores da empresa permaneciam em quarentena há dias. Quando ainda se questionava porque se levantava todas as manhãs para escrever inutilidades quando o Mundo lá fora desmoronava. 

– Deixa-as aqui em cima – decidiu por fim, com um suspiro cansado. – Seja o que for, não deve ser muito importante. – Não obstante, Rachel decidiu fazer uma pausa na edição do artigo e reclinou-se na cadeira desconfortável que lhe adormecia as pernas torpes, lendo os remetentes das cartas um por um, até a sua atenção se concentrar num envelope diferente dos restantes.

O conteúdo da embalagem estava revestido por papel almofadado, apesar de ser tão leve quanto uma pena; o remetente inexistente e o destinatário mal dirigido, numa letra descuidada que apenas serviu para despertar a curiosidade dela. Indiferente, a rapariga rasgou a embalagem e arrependeu-se de imediato ao observar o desinteresse do conteúdo. Dentro do pacote, apenas havia uma folha branca, cujas letras recortadas de revistas formavam a frase:

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