27. Parece que viste um morto

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Dia 80

Há quase um mês que passavam os longos dias em casa, na companhia uns dos outros, como se de umas férias merecidas se tratassem. Poderiam aproveitar se não temessem pelas próprias vidas, se não tivessem que ponderar sobre cada ação que faziam, se resignados e não revoltados com a longa espera incerta, com as saudades de casa. Falar com a família por telefone não era suficiente e nada lhes dizia que conseguiriam manter comunicações durante muito mais tempo. Estava na hora de regressar.

 O medo constante de que as pessoas que amavam, do outro lado do oceano, pudessem morrer a qualquer instante, vítimas de uma doença quase ridícula, obrigava-os a moverem-se. Cada dia era uma tortura por pensar naquela realidade e esperar pelo fim não era uma opção.

Jake continuava reticente em sair da Califórnia. Não sabia o que esperar assim que chegassem à fronteira e não sabia o que fazer se não houvesse solução. Continuava a achar o irmão louco por aventurar-se de maneira tão impulsiva, mas ele sempre fora assim e era impossível demovê-lo. David não se achava louco ou precipitado. Ele não era mais do que ninguém, não havia nada que o pudesse salvar de algo que escapava ao controle de qualquer ser humano. Assim, só lhe restava agir por si mesmo, utilizando os meios que ainda dispunha. Face à ameaça que enfrentavam todos os dias, com a qual aprenderam a conviver, fazerem-se à estrada e partir à procura de uma solução para voltarem a casa não era nada.

– Isso assim não vai caber – disse Rachel numa espécie de grunhido. – És teimoso, Aidan! Já te disse que tens que meter a grande de lado senão o resto não cabe aí. És lento? – embirrou novamente, esbracejando. A calma já se fora há alguns minutos, desde que concordara em ajudar o irmão na impossível tarefa de arrumar a bagagem. Desorganizado e teimoso como era, Rachel não conseguia parar de resmungar com a disposição das malas na bagageira. O loiro suspirava de frustração, farto de ouvir as lamúrias da rapariga, e sabia que ela não se calaria enquanto não lhe fizesse a vontade. Organizou as malas novamente como ela pedira.

– Contente? – O sorriso cínico não chegou para irritá-la.

– Muito. Vá, só faltam estas – anunciou, pegando nas duas pequenas malas cujo conteúdo era mais frágil.

Aidan limpou o suor da testa e suspirou fundo, antes de barafustar. Apesar do Sol ter nascido há poucas horas, o calor já era insuportável dentro da garagem.

– De quem é isso tudo?! E porque é que tenho que ser eu a arrumar esta tralha toda enquanto tu olhas para mim? Não era mais fácil levar o essencial?

– Tu não sabes o que é essencial nesta altura... – murmurou Rachel sem pensar no que dizia. Talvez mais tarde percebesse o significado daquela frase. A prioridade era sair da cidade. As memórias, arrependimentos e incertezas ficariam para refletir mais tarde.

– Isso vai cair tudo quando abrirmos a mala e não vou ser eu a apanhar – rabujou Aidan ao ver a irmã dispor as malas de forma pouco segura. Resignado, empurrou a bagagem, tentando comprimi-la ao máximo para que conseguissem fechar a porta e acabassem com aquela discussão ridícula. Já não sabia dizer há quanto tempo estava a arrumar malas, mas a tarefa demonstrara-se deveras frustrante.

– Se tu me partes alguma coisa do que tenho nesse saco, viro filha única num instante!

– Porra, juro que não percebo as mulheres – guinchou o rapaz, farto das lamúrias dela. – Faz tu então. Enfia lá isso melhor, Madame – ironizou, cruzando os braços. – Qual é a parte do não há mais espaço que não apanhaste?!

Os Brody abriram a porta da garagem e estacaram ao assistir à discussão dos dois irmãos. Pareciam tão concentrados que nem repararam nos pequenos sacos que David trazia na mão e no computador portátil que Jake segurava. Faltava apenas rever o que faltava e podiam ir embora. Se a discussão parasse...

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