62. Homo invictus

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No momento em que deixaram de ouvir a voz de Brian e as súplicas de David a luz azul mostrou-lhes o caminho à área restrita. No momento em que avançaram para a porta destrancada, de arma em punho trémulo e adrenalina a fazer borbulhar o sangue de ambos, todas as outras entradas emitiram sinais vermelhos de imediato. Brian fechara-os na zona interdita como prometera e Jake agradeceu-lhe a lealdade. Eles já tinham coberto todas as zonas relevantes e a curiosidade aguçou-se quando não havia informação ou acesso àquela parte do edifício, a única que eles ainda desconheciam.

Jake colocou Kim deliberadamente atrás de si, mesmo que ela possuísse uma arma e a erguesse atabalhoadamente, ainda que o melhor que sabia e o medo lhe proporcionava. O contraste entre ambos era óbvio quando Kim tremia dos pés à cabeça, ainda abalada pela violência anterior, quase anestesiada pela dor pulsante em várias partes do seu corpo; Jake parecia cansado, o seu corpo ameaçava ceder e no entanto a sua expressão lutava contra a cadência, e ganhava com destreza. Concentrado e alerta, ele vasculhou o local em busca de câmaras, estudando-o antes de pensar no passo seguinte.

Uma das portas do largo e luxuoso átrio, claro e luminoso como a entrada que quase os cegara, destoava de todas as outras. A porta de vidro baço, ao contrário das que vira pelo edifício, não possuía o dispositivo que funcionava como fechadura. Todas as portas davam a ilusão de falta de segurança dentro do espaço, sem identificação e semelhantes. A porta que não partilhava homologia com as restantes despertou a curiosidade de Jake, e provavelmente de Kim, se ela se permitisse olhar ao redor e a sua mente não gritasse e retirasse importância aos outros sentidos. O grande símbolo de ADN enleado para dar forma à letra grega decorava o vidro e isso foi o suficiente. A diferença era suficiente.

– Espera aqui – ordenou Jake, num sussurro que, mesmo que grave e profundo, serviu para que Kim se sobressaltasse com o som que destoava do silêncio do local imaculado. Ele abriu a porta decorada e entrou, deixando-a no átrio, de costas para ele e de arma empunhada como ele lhe ensinara.

Kim esperou por ele, sem se virar uma única vez, e só então atentou nos pormenores do local. As contusões e a dor no seu rosto podiam trazer-lhe alucinações e brincar com a sua visão cansada, porém ela sabia que aquilo não estava ali antes.

No centro do hall havia uma coluna de vidro que servia como divisória para um pequeno ponto decorativo e de lazer, com duas poltronas imaculadamente brancas que prometiam conforto e vasos decorativos de plantas verdes e viçosas. A coluna de vidro, que Kim ignorara até então, projetava a imagem realista de uma mulher que não estava naquele local quando a porta fora aberta. Ela parecia tão real que Kim depressa apontou o laser da mira da sua arma na direção da projeção. A loira, de olhos claros e luminosos, de um azul elétrico que Kim nunca vira em nenhum humano, os lábios cerrados que não mostravam um sorriso mas que a tornavam afável e simpática, parecia olhá-la e ver através dela. Kim apontou o laser na direção do olhar profundo e eletrizante e o seu coração só serenou quando parte do holograma falhou com a intensidade do raio luminoso que provinha da sua arma.

Não era real.

Kim ousou aproximar-se da projeção, sentindo uma dupla presença na sala, sentindo um peso nos ombros que a mantinha alerta. A rapariga estalou os dedos em frente ao rosto perfeito da loira, cujos longos cabelos pareciam não possuir melanina, quase tão brancos quanto o ambiente ou as roupas que a envolviam e que destoavam com o estado da morena, coberta de sangue e restos do que o seu estômago não conseguira reter com a visão da morte tão perto. A mulher projetada continuou a fitar o vazio, sem expressão, mas tão real.

– Kim.

Kim saltou com a voz masculina e desistiu de estudar o holograma realista para correr na direção de Jake, para a sala onde ele entrara antes.

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