53. Eu cumpro as promessas que faço

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Jake quisera repetir a noite e a manhã anteriores. No seu âmago, ele sabia que não havia nada que quisesse mais do que aninhar-se em Kim durante a noite, numa breve ilusão de que tudo estava bem. Que ele não era a pessoa fria e irracional em que se tornara, que matava sem pestanejar; que ela não era um clone fabricado sem sentimentos que apenas precisava dele para sobreviver. De que ninguém naquela casa dependia de si para o próximo passo, para saber o que fazer no dia seguinte.

– Mudaste de ideias?

A voz feminina quase que o fez arrepender de se deitar no sofá da grande sala de estar. Ele conseguia ignorar o sangue que ainda manchava a carpete com facilidade, o mesmo não o podia dizer da rapariga que ainda permanecia presa à cadeira.

Ele estudou-a com detalhe e quase que sentiu compaixão pela rapariga pela primeira vez. Quase, se ela não fosse um clone programado para ser agressivo e para assediá-lo constantemente.

Talvez fosse humano da sua parte sentir pena do estado degradante em que ela se encontrava, no máximo do desconforto e dor pela posição imposta aos músculos já dormentes. Talvez ele se compadecesse pelo estado dela se a dor que se alojara na sua cabeça não o impedisse de ver e pensar com clareza. O álcool abrandara-a, Rachel ajudara-o a exorcizar tudo o que acumulara durante demasiados dias, e no entanto ela continuava lá, persistente.

– Em relação a matar-te? – respondeu finalmente à loira, cuja cabeça pendia contra o peito, e cobriu a testa com o braço para proteger os olhos sensíveis da fraca luz do ambiente noturno. – Estou a pensar no assunto com carinho.

– Oh... Com o mesmo carinho com que pensaste na Alana? – ela insistiu, violando o silêncio que ele sentia ser vital naquele momento.

Jake não lhe respondeu e apenas se acomodou o melhor que podia no sofá, tentando ganhar algumas horas de sono antes de pensar no que fazer a seguir.

– Seu filho da puta nojento! – insultou April, remexendo-se na cadeira, quando percebeu o claro desprezo no rapaz demasiado confortável num sofá que era seu, a ocupar uma casa que era sua por direito. – Tu mataste a minha irmã.

– Ela não era tua irmã – grunhiu o moreno, com a voz demasiado arrastada por baixo dos braços que lhe cobriam a cabeça dorida.

– Sim, ela era e tu não percebes nada! – continuou a rapariga, forçando os pulsos feridos contra o tecido que os mantinha presos. Ela sentia as mãos húmidas de sangue e o ardor que lhe envolvia os pulsos dormentes. Apesar de tudo ela não se conseguia soltar como a irmã o fizera. A sua resistência à dor não era tão ilimitada para se forçar a dilacerar a própria carne para fugir de simples humanos. Nunca os conseguiria matar a todos. – Nunca conseguirias perceber, mesmo que tentasses.

Jake ergueu o tronco num ápice, movendo-se com a graça de um felino para perto dela.

– Não conseguiria perceber o quê? – April apenas susteve a respiração quando ele se aproximou demasiado. Os olhos dele tinham uma tonalidade tão negra que ela apenas cerrou os maxilares quando sentiu o bafo a álcool contra o rosto transpirado. – Que tu e ela são geneticamente iguais porque foram fabricadas com esse propósito? Que tu não te chamas April e que não existem pais nenhuns presos na Austrália e que até agora só contaste mentiras? – Jake sorriu pela primeira vez naquele dia, exceto na manhã quase perfeita, quando uma centelha de dúvida enfraqueceu o olhar da rapariga por breves instantes.

– Sim, eu consigo perceber isso tudo e até porque tens esse feitio de merda – continuou ele, puxando a cadeira que Alana ocupara para que se pudesse sentar em frente a ela. – Sinceramente surpreende-me que tenhas sequer um feitio. Não é suposto vocês não terem emoções? Fala-me mais sobre isso, querida.

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