Kim não teve tempo para se preparar para o ataque. A sua semelhante, que acabara de mostrar toda a emoção por finalmente a ter conhecido, disferiu um golpe com a pequena faca tão rapidamente que Kim não conseguiu reagir de imediato.
Ela sentiu a pele abrir-se num corte fino, o ardor que acompanhava o sangue liberto da ferida que lhe fustigara a face. O segundo golpe, próximo dos olhos, forçou-a a erguer os braços instantaneamente e depressa sentiu a lâmina cravar-se nos seus antebraços, cortando e picando a pele sensível.
Kim gritou enquanto a dor e os bramidos da irmã a dilaceravam, encolheu-se o mais que conseguiu no sofá e esperou pela morte.
– Missy! Para, estás louca? – a voz masculina sobrepôs-se aos guinchos agudos, à raiva que a morena lhe dirigia. – Para!
Kim não conseguia abrir os olhos, não conseguia sequer forçar o seu corpo a mover-se e a fugir dos ataques, nem mesmo quando estes pararam. Ela deixou de sentir a dor afiada fustigar-lhe os braços, ouviu a voz igual à sua dirigir-se ao homem que a tirara da estrada, ameaçando-o, debatendo-se violentamente contra o aperto dos braços dele.
Muito tempo depois que ela não conseguia contabilizar ganhou coragem e abriu os olhos, o pânico a dominá-la como não tinha memória. Como acontecera naquela cave com o homem de bata. Como tudo o que vivera até então. Tudo o que ela conhecera até então fora apenas violência e dor.
Tornou a fechar os olhos, depois de ver os braços macerados, esperando que tudo não passasse de um pesadelo, que a dor não fosse real. Que não a quisessem matar.
Ela não soube quanto tempo se manteve naquele estado de apatia, com o corpo a fechar-se das feridas, criando uma crosta que ao mínimo movimento se rompia e o ardor recomeçava. Ela preferiu não se mover, manteve a sua atividade cerebral reduzida ao mínimo que a semiconsciência concedia e esperou. Esperou por algo que não podia explicar.
– Hey – a voz não serviu para trazê-la à realidade. – Hey. Acorda. Tens de acordar... Consegues ouvir-me?
Uma mão grande e fria tocou-lhe no ombro nu e Kim saltou quase no mesmo instante. Sem perceber porque reagia daquela forma, encolheu-se na outra ponta do sofá, o casaco que lhe cobrira o corpo nu caído no chão.
Ela não tinha como importar-se com a nudez, só não queria que lhe doesse. Paul deve tê-lo percebido porque moveu-se com cuidado, temendo pela reação esquiva da rapariga. Ela era uma deles, não merecia o que lhe acontecera. Não merecia o ataque gratuito que partira da mulher com quem partilhava a vida. Que amava mais do que tudo. Não fazia simplesmente sentido.
– Tu... tu tens que fugir – ele disse, sem lhe tocar, aproximando-se apenas o suficiente para que ela atentasse no que lhe dizia. – És um erro, K42. Como é que fugiste?
– Eu... eu só não queria morrer.
– Eu sei, querida. Mas... tu não podes estar viva. Se te apanham fora da HCC matam-te, percebes isso? Eles matam-te – confessou o homem, visivelmente alterado e assustado à medida que as palavras lhe saiam da boca trémula.
– Porque me querem matar? Eu não fiz mal a ninguém.
Ele assentiu, a compaixão a modificar-lhe o rosto tenso.
– Como saíste de lá? – ele devolveu a pergunta, curioso com a fuga da rapariga. Em todos os meses que trabalhara na corporação não houvera uma única fuga. O controlo era demasiado eficaz para que um defectus passasse as portas do complexo sem ser abatido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
UPRISING
Science FictionNum futuro não muito distante, uma nova estirpe viral ameaça exterminar a espécie humana da Terra. O estado máximo de alerta pandémico obriga ao êxodo das grandes cidades. Em Los Angeles, um grupo de amigos tenta ignorar o pânico geral da população...