Capítulo 10 - A gente tá... bem?

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Ash olhou pro visor escuro do celular mais uma vez. Tentou não pensar merda, tentou não ser dramático e não criar problema onde não tinha. Ela disse que podia lidar com isso, certo? Ela prometeu que conseguiria fazer sem se perder no meio do "bagulho", ele sabia que podia confiar nela... Sabia que aquilo tinha sido consentido, que não tinha ultrapassado nenhuma base. Que não tinha feito nada de errado ou sido maldoso... "Mas porra, Ava. Cadê você?"

Já era o quarto dia desde que eles tinham transado, e mesmo que ele tentasse não pensar, não criar caso, poucas frases eram trocadas entre eles. Ela parecia estranhamente distante e isso tava preocupando bastante um recém chefe de quatro funcionários, bom, agora três... que não sabia muito bem como trabalhar em grupo. A questão que não saia da cabeça dele era a distância, o silêncio. Ava não era como as outras minas que ele estava acostumado a ter por perto. Era ela. A sua quatro olhos, e o medo de ter ferrado isso era grande e esmagador. Era tão real quanto a porra do medo infantil que ele tinha de palhaços, lembrar que uma vez socou um por reflexo em uma festa infantil foi a única coisa que o fez sorrir no dia.

Ash se rendeu a um suspiro pesado e soltou a chave inglesa no chão fazendo um barulho reverberar pela oficina vazia. A mão ficou meio limpa depois de ser esfregada em montes de emaranhados de linhas, o suficiente para pegar o telefone e não transformar em um carimbo de digitais depois. Finalmente pegou o aparelho e foi pra conversa deles.

"Cacete, acho que dormi demais. Tu prometeu que ia me acordar!" –   ✓ às 09:43

"Tu não vai acreditar, nisso mas o babaca do mosquito tentou vir aqui hoje. Os caras não deixaram a gente se trombar de novo. Mas entendo, a oficina fica difícil pra dar um jeito depois, diferente daquela cara feia do caralho." –  ✓ às 10:12

"Tu sabe se eu deixei aquela calça preta de moletom na sua casa? Tô procurando ela pra usar mais tarde e adivinha? Ou tá ai ou finalmente criou pernas e saiu andando pela rua." -  ✓ às 12:36

"já que tô falando sozinho aqui, vou treinar um pouco de eco. Quatrooo Olhooos, olhoooos, olhoooos... oooolhoss." – ✓ às 15:27

"..." –  ✓ às 16:00

"Você me prometeu..." –  ✓ às 16:23

"Um dia inteiro. Sério? Cacete, Ava." ✓ às 16:52


Ele jogou o aparelho com a tela já trincada em formato de teia pro lado, e suspirou olhando o dia quase terminar pela janela que dava pra rua. Andou em círculos mais uma vez, conferiu as mesmas peças que já tinha conferido antes e coçou a nuca se permitindo parar um pouco. A moto no meio do espaço, ou o quase esqueleto dela ali o lembrando que a realidade estava à sua frente, não o deixando se perder dentro da própria cabeça. Ele se lembrou do tom de voz do pai, o timbre característico, o jeito livre dele e a forma simples como ele parecia lidar com as coisas que se permitia mostrar, os pesos que deixava os outros verem.
"Quando sentir medo de alguma coisa, se agarre a algo real que encontrar por perto, isso vai te dar força. Demônios tem medo de pessoas corajosas." – Ash engoliu em seco agora, as vezes a memória de seu pai era tão viva que ele poderia jurar que eram a mesma pessoa, ou melhores amigos... caso ele ainda estivesse por aqui.

_Foda-se. – ele se espreguiçou pra mandar os pensamentos embora. Fechou os olhos esticando o corpo e sentiu a coluna queimar um pouco, cansada. Observou o próprio abdômen e algumas marcas de graxa escura estavam espalhadas por ali, não pareciam que iriam embora com muita facilidade. E por fim, observou o volume relaxado nas calças, julgando-o, como se pudesse depositar toda a culpa daquela situação ali, bem no meio de suas pernas. E falou como se ele realmente fosse uma segunda consciência capaz de lhe ouvir. – Idiota! A culpa é sua... merda.

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