Capítulo 30 - A sua porta de madeira branca.

711 109 36
                                    


 Ash entrou aos tropeços assim que a porta se abriu, mal conseguiu ouvir o nervoso senhor que tentava formular uma frase de desculpas citando suas competências com a portaria e o dever de cumprir o que lhe foi pedido. Ash não tinha tempo e sinceramente temia que se parasse por um segundo se quer perderia a pouca coragem que tinha reunido até aquele momento.
Quando se tratava de Ava tudo se tornava incrivelmente mais difícil e delicado, intimamente delicado.

 Suas pernas foram ágeis porque o corpo já conhecia o caminho até o segundo andar do prédio e poucas vezes ele subiu tão rápido como agora. Saltou pro amplo corredor cheio de portas e encarou o número brilhante. 214. Respirou fundo, e foi difícil, sua boca parecia o próprio deserto em sol quente. As pontas dos dedos mortas de tão geladas e o estômago enjoado e tenso. Ele apertou mais forte os dedos, formando punhos densos e caminhou passos lentos firmes mais uma vez.
Uma sombra pela fresta da porta, ela estava em casa.
O ar falhou em um suspiro estranho e ele ensaiou bater.

A mão formigando enquanto ele ainda sentia a ansiedade apertando o peito. Finalmente bateu, os anéis de prata contra a porta. Ela saberia de quem se tratava, e ele se sentiu estranho por ter medo de que isso a impedisse de atender.

Silêncio.

 Ele engoliu em seco e sentiu o coração doer, a luz por baixo da porta denunciou passos lentos pela sala e nenhum sinal de que a fechadura iria ceder e se abrir pra ele. Era um sinal claro que ela talvez não estivesse disposta a ouvi-lo agora. Mas sinceramente, Ash não iria desistir.
Não iria recuar outra vez sem falar tudo, porque a ausência dela ainda doía em suas veias.
Ele bateu por duas vezes e na terceira sentiu o peso de estar sem ela, sentiu o muro contra eles e a divisão agora física que ele mesmo buscou colocar entre os dois.

_ Você... – ele sussurrou contra a porta. – Nunca foi muito boa em se esconder, sabia? – a sombra não se moveu mais, permaneceu parada. – Era boa em muitas coisas, mas não nisso.

 Ele sabia que precisava, e sabia que não poderia ser diferente, que voltar pra casa com tudo aquilo na garganta talvez fosse pior do que a sensação de vê-la simplesmente ignorar tudo que dissesse. E se assim ela fizesse, era um preço justo.
Então continuou, porque precisava. Não conseguiria fazer diferente.

_ Amigos contam tudo. Você me ensinou isso. E talvez esse seja meu primeiro e pior erro com você. Acho que te devo tantas verdades que se fosse contar me perderia nos números. Eu tenho te escondido algumas coisas nesses anos todos, talvez porque mentir fosse mais fácil que explicar todas elas pra você; porque sinceramente, Ava. Nem eu entendia metade delas. Quando se trata de você, - ele suspirou - eu mesmo não me reconheço.

 Eu te odiei. Te odiei quando te conheci. Simplesmente porque você foi boa comigo. Naquele primeiro dia no colégio em que você me defendeu daqueles moleques com aquele galho ridículo, eu olhei pra você e senti raiva, porque simplesmente não conseguia entender como algo bom poderia acontecer comigo. Eu era o problema dos meus pais, talvez o maior erro deles. Era o que eu acreditava ser. E achei que era isso. Que seria isso até o fim. Mas você chegou, e viu algo em mim. Você lutou... por mim. Literalmente. E porra, isso... me assustou pra caralho. Nunca mais queria ver sua cara outra vez depois daquilo. Me defender foi a coisa mais altruísta e sincera que eu já tinha visto alguém fazer por alguém e saber que foi por mim... Era mais fácil pensar que eu era culpado, que era o problema, mas pensar que talvez fosse a vítima me fez sentir o maior medo que já tinha sentido na vida. – Ele respirou. Sopesou e seguiu. – Acho que odiei um pouco mais quando você me ensinou o que significava Altruísmo. Você sempre foi terrivelmente inteligente e isso é um saco.

 E aí você começou a se aproximar. Eu te juro que não queria, mas tinha alguma coisa no jeito que você falava. Uma delicadeza e uma energia viciante que me fazia querer ficar por perto pra observar você. – ele respirou pesado. – Era mais fácil quando você vinha pra casa comigo. Quando você chegou meu pai já estava num momento... difícil. E sinceramente, eu acho que se você não estivesse por lá, o estrago dentro de mim teria sido muito mais feio. Ter você presente na minha casa era bom. E porra, eu passei a contar as horas só pra poder correr pra escola pra te encontrar. – ele riu sem humor. – E eu nunca, jamais, iria te deixar saber disso. Eu contava os dias pra quarta-feira chegar e seu avô deixar você ir pro chalé, aquele lugar sem você virava um pesadelo completo. Era bizarra a forma como tudo melhorava simplesmente porque você estava do meu lado, correndo pela varanda com aquela toalha vermelha amarrada no pescoço. - ele sentiu os olhos arderem. – Eu adorava ser herói com você. Você me fez sentir como se eu fizesse algo bom, pela primeira vez. Me fez sentir que rir era possível com mais alguém além do meu pai e agora, eu entendo isso. Reconheço. E porra... eu sou grato.

A Melhor parte de mim.Onde histórias criam vida. Descubra agora