Capítulo 21 - Não olhar pra trás.

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 O cheiro das panquecas chegou primeiro, tinha quase gosto de baunilha fresca e Ash se odiou por reconhecer aquele momento. Ele manteve os olhos fechados como se não quisesse simplesmente continuar naquela realidade, como se isso, aquele escuro o pudesse blindar de todo tipo de pensamentos agora. Exausto, ele literalmente estava exausto.
 Mas apesar de toda exaustão, tinha sido... bom? Ver Lilian emocionada quando ele soltou sem querer aquela palavra. Ash mexeu o nariz devagar pra conter e afastar o sorriso tímido que crescia no rosto agora.

_Shhiu, cuidado com essa tampa. Essa panela é que faz mais barulho aqui. – A voz de Claudio sobreposta a dela, então ela tinha uma nova companhia nas manhãs de domingo. Outra pessoa pra pegar os ingredientes. – Não quero acorda-lo tão cedo, a estrada vai ser longa hoje pra eles voltarem. O trânsito deve estar pesado.

Primeiro o olho esquerdo, ele bisbilhotou o cantinho da sala. Deu pra perceber de cara que ela não havia aberto as cortinas dali, deixando o sofá em que ele dormira em uma penumbra sonolenta agradável. Ele se remexeu sentindo a outra coberta sobre si, a colcha de retalhos, a mais quente. Engoliu em seco e decidiu que era o suficiente. Esticou os braços interrompendo uma frase deles entre beijos no fogão, ele não devia ter gostado tanto de ter visto Claudio pulando pra longe dela, com um misto de receio e respeito pela presença do filho.

_Oh, te acordei piolhinho? Me perdoa. Eu juro que não queria fazer barulho, mas achei que você gostaria de algumas destas pra manhã de domingo. – Ash se sentou curvando as costas e fitando a cena pelo sofá afastado em ambientes abertos.

A bancada da cozinha estava bonita, organizada e limpa. Diferente do que ele esperava depois de uma festa como a da noite passada. Pratos cheios com panquecas doces douradinhas na medida certa e um pote com mel ao lado. Um vaso com flores e copos de suco de maçã. Ele coçou os olhos e passou as mãos pelo cabelo. Claudio se disponibilizou pra fazer qualquer coisa agora, inventou uma desculpa esfarrapada pra cuidar de algo no carro, ele deveria saber da noite passada e do quanto isso havia significado pra noiva. Decidiu se retirar com um beijo suave sob o ombro dela e um sorriso amistoso pro garoto de cabelos revoltos e olhos estreitos e sonolentos ainda acordando.

_Não. Eu já estava acordado. – Ele bocejou se levantando e caminhando preguiçosamente até os bancos altos da ilha ao centro da cozinha. Lilian dividia atenção entre as rodadas de panquecas frescas e o filho bem ali... estava inegavelmente feliz naquela manhã.

_Se abrir a terceira porta do armário tem geleia de amora. Ainda é a sua preferida, né? – ela sorriu e ele evitou olhar de volta. – Conseguiu dormir um pouco melhor aqui na sala? Aquele quarto dos fundos não é um bom lugar definitivamente.

_É. Acho que sim... – Ele coçou a cabeça olhando em volta. – ela já acordou?

_Ah, não. Nem pensar. Do jeito que a menina ficou ontem, duvido que acorde tão cedo.

_Bom, acho melhor acordar ela logo. Não quero pegar a estrada muito tarde. Tenho que levar os papeis pro advogado o quanto antes.

 Lilian sorrindo pareceu sentir uma dor leve no peito, um aperto pela distância que ele ainda insistia em manter dela, mesmo depois da noite passada. Precisou respirar fundo, sorrir mais forte pra ser grata ainda assim, pelo pequeno passo em direção a reconciliação, quem sabe.
Ash espreguiçava o torso livre de roupas, ficou de pé e cambaleou alguns passos. Antes que se virasse pro corredor ele sentiu a mão gentil dela em seu braço direito. Ele parou suspirando.
 O silêncio não o assustava, mas com ela... ali naquela casa, definitivamente era bem mais doloroso que a solidão habitual. Ela se abaixou um pouco pegando uma pasta clara debaixo da bancada. Colocou nas mãos do filho e agora o olhou nos olhos. Era difícil não dizer, assim como era difícil pra Ash ouvi-la agora.

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