Capítulo 26 - A familiaridade das coisas.

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 Ela precisou esticar os braços bem alto agora. A coluna estava doendo e a hora parecia não passar, o relógio congelado na tela do computador em sua mesa estava começando a irritar. Suspirou olhando em volta, talvez buscando alguma distração, alguma companhia se quer, qualquer coisa além daquele artigo que no momento tinha decidido se tornar o seu pior pesadelo. Esticou o pescoço pros dois lados e suspirando deixou os olhos correrem até a mesa da extrema esquerda do seu campo de visão, a mesa de Sarah que sorria pra tela claramente fazendo algo muito mais divertido que a planilha de custos mensais do escritório. A garota de pele amendoada parou de sorrir conforme notou os olhos de Ava sobre ela, que engoliu em seco por reflexo. Ava tentou reforçar o sorriso, talvez estender a ponta de uma bandeira branca em trégua depois de tantos anos de trabalho juntas, mas Sarah recuou, virando a cadeira e firmando sua personalidade impenetrável.

Ava afundou alguns milímetros na cadeira. A que ponto tinha chegado a sua solidão? É serio mesmo que estava recorrendo aquilo? A pessoa que mais odiava em toda a sessão? Que humilhação a solidão ainda a faria passar só no dia de hoje? Estalou alguns dedos e ensaiou teclas, precisava terminar aquilo até o final daquela tarde. Precisa pensar em algo inovador e interessante que completasse sua tese e precisava urgentemente encontrar algo mais a fazer do que se ver tentando não pensar nele, e em tudo que tinha dito. E antes de tudo isso, Ava precisava urgentemente de café. Se remexeu mais uma vez repensando em suas opções, talvez fosse vital um café agora.

Juntou as poucas coisas na mesa, bloqueou a tela e se dirigiu a sala de Sebastian que agora andava de um lado pro outro falando ao telefone. Ele parecia agitado e bastante tenso, Ava pescou no ar algumas palavras. "Tema extenso" "pouco prazo" e "Me ferrando" Ele acenou assim que a viu se aproximar, ela deu passos tímidos um pouco mais da perto da porta. Se permitiu observar o homem nervoso ali, dando passos em torno de percurso imaginário que havia criado em sua sala, o repetindo enquanto esbravejava ao telefone. Ela odiou um pouco aquele momento, odiou o fato de seu chefe ser o único rosto conhecido que ela tinha por perto. Se sentiu minúscula e insuficiente.

Puxou o celular do bolso e digitou em capslock a palavra junto da interrogação e dando zoom, exibiu o aparelho no ar. "Café?" – Sebastian levou alguns segundos pra notar e então relaxou os ombros nitidamente grato. Ele apertou os olhos com a mão sobre o peito enquanto sibilava. "Por favor". Ava Sorriu o deixando entrar em uma nova onda de frases afiadas de teor passivo agressivo contra alguém claramente superior a ele em hierarquia.


 As ruas naquele horário da manhã eram movimentadas, já que aquele bairro era em sua grande parte composto por empresas e lojas, era muito comum ver pessoas andando apressadas aos telefones, carros e caminhões de entregas descarregando ou até mesmo grupos de pessoas andando enquanto exibiam crachás em cordinhas de varias cores e logomarcas diferentes. Ava suspirou enquanto desviava de um grupo de garotas que riam animadas contando algo sobre o RH que havia falhado em cálculos e causado uma grande confusão.

O letreiro da "Le Coffe"  brilhava como um oásis em meio a um deserto de desconhecidos e ela seguiu finalmente em direção a ele enquanto atravessava a rua. Não levou muito tempo até entrar no lugar familiar, Ava sorriu um pouco sem se julgar hoje por estar buscando suas "coisas conhecidas, suas ancoras emocionais." Ela não faria isso hoje, não se julgaria. Pelo menos não enquanto ainda sentia o vazio a espreita.

Saltitou alguns passos enquanto subia os degraus de entrada e adentrava o local. Algumas pessoas estavam sentadas em mesas dispostas, outras lendo em cantos com almofadas e as outras simplesmente aproveitavam a natureza contida ali dentro. Ela suspirou e entrou na fila de três pessoas, os atendentes dispostos nos seus costumeiros locais de atendimento. Ela tentou se lembrar dele, o cara alto provavelmente era novo, a menina de cabelos enrolados era Michelle e o lindo sorriso luminoso e gentil de Ben era inconfundível. Ao perceber que seria atendida pelo cara alto novo, recuou sutilmente para trás, deixando uma senhora simpatia passar a sua frente em um gesto formal e amigável que fez a senhorinha sorrir grata. Quem a atendeu foi Ben.

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