A Melhor parte de mim.

Capítulo 29 - Emoções em cascata.

"Eu quero um filho."

A frase ainda pairava no ar e a cabeça de Ash girou com força. Ele engasgou tão intensamente com a própria saliva que tropeçou em um movimento desconexo e mordeu fortemente a língua naquela dança estranha. Precisou xingar agora, se esquecendo de onde estava e como uma criança sem jeito tentava segurar a língua como podia. Ele tinha certeza que tinha cortado com a força da mordida.

Ele ainda recuperava o ar, lufando pesado. Um dos caras próximos chegou devagar e o entregou um lenço e um copo com água. Até a gentileza dele foi estranha, Ash não estava acostumado com aquelas coisas. Ele engolia ainda em seco com a língua dormente quando voltou a olhar pra Ava que mantinha a mesma expressão fina e sem emoção no rosto.

_"Eu meleço". – A fala estranha pela língua "morta" na boca. Ele respirava com dificuldade ainda, e tinha total certeza que o susto tinha sido proposital. Talvez uma punição por tanta merda que ele tinha dito pra ela. Justo até. – Você tem razão."Ta berto" – ele ainda tentava tocar o corte que acabara de provocar.

_Você tem pra onde voltar. – A expressão fria no castanho quente dos olhos de Ava, perfurando a imensidão cinzenta atenta dele. – Você tem uma mãe. Bem ou mal, primos, tios e sobrinhos. Você tem tudo isso, e é escolha sua não estar com eles. Eu não tenho nada.

_Ava.

_Quando você saiu por aquela porta eu percebi que não tenho nada, que não sou nada. Eu sou um ponto solto na história. Um passado que minha mãe prefere esquecer. Um luto pela perda dos meus avós. Sem passado, sem presente... como querer um futuro assim? Nem o apartamento em que moro é de fato meu. Não tenho ligação alguma com nada. A única coisa que era minha de verdade, foi o meu avô, e ele precisou partir. Ele me deu tudo enquanto pode, mas agora... eu não tenho mais nada. Eu quero um motivo pra existir. Quero alguém pra quem voltar no final do dia. Alguém pra ser minha família quando todo mundo for embora depois das 22:00. Eu quero um motivo.

A brisa leve cortou o caminho, se entranhando por eles. A distância entre os corações e pensamentos dos dois nunca foi tão solida quanto agora. Ash poderia configurar aquela sensação como a petrificação de morte. As mãos não ousaram se mexer, os olhos ardendo em chamas prateadas enquanto Ava o encarava, ela não mudou de expressão. Foi doloroso como um punhal cortando a pele, aquelas palavras que ela disse já deveriam ter sido mantidas a tempo suficiente por dentro, a ponto de não fazer mais efeito. Ele quis se socar agora, a mesma irá de olhar alguém que machucou a pessoa que ele mais amou na vida. A melhor parte dele, quebrada bem na sua frente. E ele tinha sido o culpado.
Os olhos marejados o fizeram baixar a cabeça.

Notou Ava puxar os papéis sobre a mesa, abraça-los e ajeitar os fios soltos da trança. Ele quis puxar ela pros braços, aperta-la, beija-la ou simplesmente faze-la entender que nada daquilo era real, que ela pertencia a um lugar. Que qualquer lugar que ele ocupasse também pertenceria a ela. Que a promessa deles ainda era a mesma, ainda tinha o mesmo peso, mesma importância. Ele a viu se virar pra sair e as palavras ficaram presas em algum canto da garganta.

Ava deu alguns passos, o peito submerso em algo que talvez não reconhecesse mais.
Quebrada. Solitária. Seguiria assim, tentando se lembrar das pequenas coisas familiares. Talvez esse fosse o plano afinal. Era só lidar com isso, então.
A mão dele sobre a pele dela causou pequenas vibrações, ela observou os dedos em anéis prateados, ele tinha perdido peso. Provavelmente não estava dormindo direito a bastante tempo, e água? Seria a ultima coisa que ele-
Não. Ela não iria mais insistir, prometera a si mesmo naquele dia e-

_Eu não vou desistir de você. – a voz dele saiu baixa. Os olhos em chamas agora em um vermelho intenso que ela podia ver pelo campo de visão esquerdo. – Não vou embora. Não importa o quanto seja difícil te recuperar. Não vou desistir de você.