Capítulo 25 - Não.

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 Ele puxou o lençol pra esquerda, e aquele embolado de tecido claro se amarrou em um nó chato na perna direita. Puxou pra direita e a perna esquerda agora parecia presa.
"Mas que P...", tentou desvirar, trocar de posição outra vez mas a cama parecia um grande grude contra sua pele. Jogou o que pode de lado e ficou encarando o teto, aquele maldito teto e malditas paredes, os quais ele poderia jurar ter memorizado cada detalhe branco e sem graça, pequenas rachaduras ou teias de areia que se formavam nos cantos.

 O ar denso do ambiente se estendia por todo o pequeno apartamento. Nenhuma luz estava acessa aquela hora ou durante o dia inteiro. Ele simplesmente... não acendeu nada. O cinza de seus olhos talvez fosse a única coisa iluminada naquele breu total em que se isolara do mundo. Ash se sentou sobre o colchão mau forrado e sibilou xingamentos enquanto coçava os olhos. Quando foi mesmo a última vez que tinha tido uma noite de sono descente?
Quando tinha comido algo que não viesse envolto em plástico enlameado de gordura ou queijo barato? Ele apertou os olhos suspirando com a resposta interna.
Talvez ele soubesse o que fazer agora, talvez ele sempre soubera que aquilo era ele.

Tateou o lado da cama e o celular marcava 2:32 brilhando na tela bloqueada, lançando o aparelho de volta a cama ele saiu em direção ao banheiro. Ligou o chuveiro enquanto coçava o cabelo espantando o torpor do quase sono constante que sentia, e piscou com força pra foçar a visão. O banho foi rápido e simples, assim como a roupa que pegou pendurada à direita da porta do box. Saiu procurando as botas e as encontrou na porta de entrada, se sentou nas escadas pra calça-las enquanto observava a oficina quase abandonada, as superfícies em pó e mais um pouco de escuridão.

 Dessa vez, Ash não ligou nenhuma música pra limpar e organizar as coisas. Não pensou em projetos que gostaria de fazer em nenhum futuro ou cenário surreal imaginário. Não teve nenhum lampejo de imagem ou cor se formando em seu consciente conforme ele organizava os potes com tamanhos diferentes de parafusos e porcas. Ele estava em modo automático desde...
 Coçou a garganta pra evitar pensar, coçou o rosto pra espantar o pensamento estupido e traidor. E agora, quando abriu as portas eram quase 3:15.

 Arrastou a placa "24 horas" até a calçada e deixou a luz fraca ser o único indicador de vida ativa ali naquele momento. Voltou ao interior e tentou focar em limpar o básico para conseguir trabalhar durante aquele dia. Não podemos dizer que o trabalho fluiu, não podemos dizer que aquela foi a melhor arrumação de Ash ou que ele teve um bom momento como costumava ter sozinho em sua oficina. Ele era só um misto de ausências. Ausências de pensamentos, emoções, ausências de pessoas e isso tudo em uma bela torta vazio e torpor constante. Costumava ser mais fácil... mas desde que ele tinha contraído aquela coisa que apertava o peito, não era mais o mesmo ou agia como alguém que sabia o que estava fazendo. Ele só era um amontoado de confusão e de coisas que evitava pensar. Como podia ter sido tão fraco? Tão estupido? E justo na vez dela ter confundido tudo desse jeito? Desde quando era o emocionado? Aquela porra não fazia o menor sentido.

Não pensar.
Não sentir.

Não.

"Ash"

Não pensar, não sentir.
Não...

_...Mano. – Mãos dançaram em seu campo de visão o fazendo voltar a si e encarar Miguel de pé na entrada da oficina. – E ai, cara? Tudo bem?

4:02 no relógio. Ele engoliu em seco.

_Ah, e ai? Tudo, pode entrar. Precisa de alguma coisa?

_É, na real eu preciso sim. Mas o que rolou? Porque tu está aberto essa hora? Tu não costuma trabalhar de madruga. – Ash não respondeu, continuou a limpar a mão com o tecido cheio de fiapos, e o amigo limpou a garganta. – É, eu tô quase saindo pra trabalhar e preciso trocar o pneu traseiro da moto. Ia procurar o Wagner da rua de trás, mas vi sua luz acessa e a placa e... bom.

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