Quando ele terminou a última conta, o vento frio da manhã de Ouro Verde beijou sua nuca nua. Com o rosto adormecido sobre os papéis, nem mesmo o cantar dos pássaros o acordou. Morgali tinha limites para a privacidade que dava aos filhos, um dos limites era a falta de resposta do seu primogênito que acabara de sobreviver de um incêndio. Abriu a porta abruptamente, encontrando um Paul que roncava, dormindo de mau jeito sobre a própria mesa. Com papéis espalhados por todo o escritório.
Morgali suspirou, deu passos devagar para se aproximar do filho, tocando com as costas frias da mão esquerda na bochecha de Paul. O filho deu um salto, machucando o braço ferido que era sustentado por uma tipoia e faixas brancas que rodeavam seu peito e seu braço. Massageou o braço ferido.
— Desculpa, querido! Não queria assustá-lo. Você não descansou desde que chegou do hospital.
— Dormi um dia inteiro no hospital, mãe. Foi descanso suficiente.
— Meu filho...
A mão de Morgali foi levada até o rosto do filho, mas caiu para a cintura com a mesma rapidez. Tudo que mais quebraria o coração de um Mentis: machucar sua mãe.
Paul umedeceu os lábios, fechando os olhos ao inclinar a cabeça para beijar o topo da cabeça da mãe.
— Perdão por preocupá-la. Eu estou bem! — disse, tentando passar a maior convicção que podia em sua voz — Tudo voltará ao normal quando eu entregar estes planos para a fábrica. — Olhou para os papéis jogados em sua mesa.
— Ao normal? — questionou Morgali. — Sinto que isso não será mais possível. Não peço normalidade, peço segurança. Quero o melhor para vocês — dessa vez sua mão alcançou o rosto do filho. — Não precisa se envolver mais, se causará tanto infortúnio para você, se sairá machucado, eu...
Paul tocou na mão de Morgali que repousava em seu rosto, segurando firmemente as mãos trêmulas e frias de uma mãe preocupada.
— Sabe que preciso fazer isso — Olhou nos olhos claros da mãe — E eu quero fazer — completou.
Foi a vez de um Lemont preocupado participar da reunião, com duas batidas à porta aberta, avisou sua chegada. Diferente do irmão, mal conseguiu pregar o olho, levantou-se cedo para verificar o estado do irmão.
— Como está? — perguntou, entrando no escritório em passos lentos — Podemos voltar para o hospital e...
— Eu estou bem! — Repetiu, dessa vez direcionando a fala ao irmão — Mas vou precisar da sua ajuda para outra coisa.
Paul parou com o olhar pequeno de um filho que recebia o amor de sua família, para fechar o cenho em completa seriedade. A face ranzinza que fez o coração de Lemont se acalmar, afinal, seu irmão estava bem, agindo como antes.
Não poderia insinuar que as coisas voltariam ao normal, eles sabiam que era um daqueles anos que tudo mudava em suas vidas.
Apesar de não ser bom em números, Lemont era bom com palavras, sabendo dialogar melhor com as pessoas que seu irmão mais velho, que pouco tinha paciência para isso. Contudo, para conseguir ajudar os funcionários, Paul precisava conversar com eles, mostrar seu novo plano de negócios e, principalmente, convencê-los que era algo bom. Lemont ajudou com o pouco que sabia sobre a fábrica, algumas pesquisas e entrevistas que deu desde a inauguração, ajudaram para que Paul formulasse bons argumentos.
O incêndio acalmou a greve, com panos frios que buscavam esquecer o fogo que subiu durante a noite. Mesmo sem qualquer culpa, era lastimável que um homem comum, que nada tinha a ver com a greve, acabou ferido. Todos não sabiam o que Paul estava fazendo na fábrica naquela noite, mas não deixaram de se preocupar. Diferente dos Collins, que mal procuraram saber quem foi a pobre vítima do incêndio em sua fábrica. Tamanho egoísmo nem mesmo passou pela cabeça e do coração — agora, não tão de pedra — do Sr. Pilmon, que quase caiu da poltrona ao saber quem tinha sido a vítima do incêndio antes mesmo de ir até à fábrica. E quando soube da melhora de Paul, sua testa chegou a suar, enquanto preparava com a esposa e filha comidas para levar aos Mentis.
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Por Todas as Palavras Não Ditas - Série Amores Em Ouro Verde: Livro 2
RomanceA cidade de Ouro Verde sofreu algumas mudanças com a saída do casal recém-formado entre uma Mentis e um Pimon. Sem tempo para sentir saudade, os ventos trouxeram novos planos para os moradores da cidade, com as mudanças das estações de mais um ano e...