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Luna OliveiraDOIS ANOS DEPOIS
Os meus olhos arderam quando a porta da cabana foi aberta. Coloquei a mão na frente do rosto para impedir que o sol me cegasse completamente e fui dando pequenos passos para fora, sentindo minhas pernas ficarem bambas ao entrarem em contato com o chão macio e recém-molhado do gramado.
— Anda logo, porra, não tenho o dia todo! — O homem me apressou, bufando com impaciência, e empurrou levemente o meu corpo para frente.
Prendi a respiração e segurei as lágrimas assim que meus olhos se acostumaram com a claridade do dia. Foi como se eu estivesse enxergando a vida pela primeira vez novamente. O azul do céu parecia ainda mais intenso, o sol mais quente...
Minha mão segurava firmemente a fraldinha de pano do meu filho, que infelizmente não continha mais o cheirinho dele. Acho que o odor se perdeu com o tempo, de tanto eu cheirá-la, afinal, nunca tive coragem de lavá-la e perder o único resquício que eu tinha de Gabriel.
Às vezes, era tanta coisa na mente que eu ficava me questionando se ele realmente existiu ou se não foi apenas uma alucinação da minha cabeça.
— Segue reto! — O homem me guiou em direção ao meio da mata, onde havia uma trilha que levava até um carro parado.
Deste carro, Russo saiu e esperou que chegássemos até ele. Mordi o lábio e me segurei para não perder o controle, mas tudo que eu queria era voar em seu pescoço e fazê-lo sofrer. Ele nunca mais teve coragem de aparecer no cativeiro desde que arrancou meu filho de mim.
Minha respiração estava irregular quando parei na sua frente e o encarei com ansiedade, em seguida tentei visualizar dentro do carro para encontrar Gabriel lá.
Minha esperança era que ele me devolvesse, mas não... Russo veio sozinho.
— Jota aliviou para você porque é a mãe da minha cria e já foi cobrada, mas se liga na minha visão, você vai sair, mas quero você bem longe, sacou? — Recebi o seu aviso como um soco no estômago. Eu não tinha mais nada, principalmente uma casa para onde voltar. — Não quero que você olhe mais na minha cara ou que fale comigo. Você morreu para mim, e é para eu morrer para você também. Se trombar com algum de nós perto do morro ou vacilar uma única vez, é tchau e benção.
— Tudo bem, eu só quero o meu filho. — Minha voz falhou com rouquidão assim que me pronunciei. Era a primeira vez em anos que eu abria a minha boca para falar com alguém novamente.
— Nem fodendo! — Russo negou com a cabeça, causando-me uma dor insuportável no peito. — Ele nem sabe que você existe, e se depender de mim, nunca vai ficar sabendo.
Solucei, sentindo minhas mãos tremerem.
— C-como... Ele precisa da mãe dele! Me conhecer! Você não pode tirá-lo assim de mim! — Rebati com a voz chorosa. Era doloroso demais ficar sem notícias sobre ele, sem saber se estava precisando de mim ou não.
— Ele não precisa de você, já tem a Carina que cuida de boa dele. — Respondeu, e aquilo acabou com todas as minhas esperanças de reencontrá-lo.
— Isso não passa de um jogo para você? Uma vingança pelo que eu te fiz? — Minha indignação era tanta que só sentia vontade de estapeá-lo na cara e mandar ele acordar para a vida. Era a vida de uma criança em jogo! — Já não me castigou o suficiente? Eu não quero mais ficar longe do meu filho, Russo!
— Vá logo, segue teu rumo. — Bufou, apontando com a cabeça para o caminho de cascalho que levava para longe dali.
— A sua mulher não vai gostar do meu filho! Vai maltratá-lo!
Russo soltou um barulho de escárnio com a boca e me olhou entediado.
— Não fode, ela adora o moleque. — Revirou os olhos e saiu da minha frente. — Agora dá o fora daqui antes que eu me arrependa de não ter acabado com a sua vida, porra!
Fiquei totalmente petrificada no lugar por uns dois minutos, até que de forma involuntária, meus pés começaram a me levar para longe dali, mesmo sabendo que tudo o que eu mais queria na vida era lutar pelo meu filho.
Quem me visse naquele exato momento pensaria que eu não passava de uma moribunda, uma andarilha.
— Ele está muito bem sem você. — Ouvi ele dizer atrás de mim antes de minha mente se desligar para evitar o sofrimento e eu agir apenas no automático.
Não se passaram muitos minutos e o carro dele passou do meu lado na estrada esburacada, agitando de um jeito rebelde os meus cabelos. Acompanhei com olhos atônitos o carro de Russo se afastando no horizonte.
De alguma forma, ele levou uma parte de mim com ele - o nosso filho -, e eu torcia para que um dia aquele pedaço parasse de me fazer tanta falta.
Eu já não era mais a mesma pessoa há muito tempo, mas sabia que de fato algo mudou dentro de mim a partir daquele dia. Ainda que a vida tenha levado meu filho, eu sabia que jamais deixaria de ser sua mãe, e faria tudo o que estivesse ao meu alcance para encontrá-lo novamente, onde quer que ele estivesse.
FIM DO PRIMEIRO LIVRO
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Sombras do Amor [M]
Fanfic+18| Ela, um verdadeiro anjo. Ele, o próprio diabo. Esta é uma história que foge dos padrões de um lindo romance. Esqueça tudo o que você conhece, este livro não segue os clichês convencionais. Russo, como é conhecido por todos na Cidade de Deus, um...