<Cap 85 - Poison>

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(...CAPITULO NÃO REVISADO...) 

- Nem um arranhão. Todos se machucaram, menos eu.

- É o trabalho deles, Gulf - disse ele, gentilmente. -Combater demônios, isso é o que eles fazem. Não o que você faz.

- O que eu faço, Namjoon? - ele perguntou, examinando o rosto dele à procura de uma resposta. - O que eu faço?

- Bem, você pegou o Cálice - ele disse. - Não pegou?

Gulf fez que sim com a cabeça e apalpou o bolso.

- Peguei.

Namjoon pareceu aliviado.

- Quase não tive coragem de perguntar - ele disse. - Isso é bom, não é?

- É - Gulf respondeu. Ele pensou na mãe, e apertou a mão em torno do Cálice. - Eu sei que é.

Church o encontrou no topo da escadaria, miando como uma Maria Fumaça, e levou Gulf para a enfermaria. As portas duplas estavam abertas e, através delas, Gulf podia ver a figura parada de Boat, imóvel em uma das camas. Hodge estava curvado sobre ele; Mild, ao lado do tutor, segurava uma bandeja de prata nas mãos. Mew não estava com eles. Estava do lado de fora da enfermaria, apoiado na parede, com as mãos ensanguentadas junto ao próprio corpo.

Quando Gulf parou na frente dele, suas pálpebras se abriram, e Gulf viu que ele estava com as pupilas dilatadas, todo o dourado engolido pelo preto.

- Como ele está? - Gulf perguntou, o mais gentilmente possível.

- Ele perdeu muito sangue. Envenenamento por demônio é muito comum, mas, como era um Demônio Maior, Hodge não tem certeza se os antídotos que geralmente aplica serão eficazes. Gulf se esticou para tocar o braço dele.

- Mew...

Ele se esquivou.

- Não.

Gulf respirou fundo. - Jamais desejaria algo de mal a Boat. Sinto muito. 

Ele olhou para Gulf como se o estivesse vendo ali pela primeira vez.  - Não é sua culpa - ele disse. - É minha..

-Sua? Mew, não, não é...

- Ah, é sim - ele insistiu, com a voz frágil como uma camada de gelo. -Mea culpa, mea maxima culpa.

- O que isso quer dizer?

- Minha culpa - ele disse. - Culpa unicamente minha, minha culpa mais terrível. É latim. Mew tirou uma mecha do cabelo da testa de Gulf com extrema naturalidade, como se nem percebesse o que estava fazendo. - Parte da Missa.

- Pensei que você não fosse ligado em religião.

- Posso não acreditar em pecado - ele disse, - Mas sinto culpa. Nós, Caçadores de Sombras, vivemos por um código, e esse código é inflexível. Honra, culpa, penitência, isso tudo é verdadeiro para nós, e não têm nada a ver com religião, e tudo com o que somos. Isso é o que eu sou, Gulf - ele disse, alterado. - Sou parte da Clave. Está no meu sangue e nos meus ossos. Então me diga: se você está tão certo de que isso não foi minha culpa, então por que o meu primeiro pensamento ao ver Abbadon não foi pelos meus companheiros, mas por você? - Ele levantou a outra mão; estava segurando o rosto de Gulf, prendendo-o entre as palmas. — Eu sei, eu sabia que Boat não estava agindo normalmente. Sabia que alguma coisa estava errada. Mas a única pessoa em quem conseguia pensar era você... - Ele curvou a cabeça para a frente, de modo que a testa de ambos se tocou. Gulf podia sentir a respiração dele sobre os cílios. Gulf fechou os olhos, deixando a proximidade dele lavá-lo como uma onda. - Se ele morrer, será como se eu o tivesse matado - Mew disse. - Deixei meu pai morrer, e agora matei o único irmão que já tive.- Isso não é verdade - Gulf sussurrou.

- É sim. - Eles estavam próximos o suficiente para se beijar. Mesmo assim, ele segurou Gulf com firmeza, como se quisesse se certificar de que Gulf fosse real. - Gulf - ele chamou. - O que está acontecendo comigo?

Gulf pesquisou a mente em busca de uma resposta e ouviu alguém limpar a garganta. Então, abriu os olhos. Hodge estava na porta da enfermaria, o terno sujo com algumas manchas de ferrugem.

- Fiz o que pude. Ele está sedado, não está sentindo dor, mas... Preciso contatar os Irmãos do Silêncio. Isso está além da minha capacidade.

Mew se afastou lentamente de Gulf.

- Quanto tempo eles vão levar para chegar aqui?

- Não sei. - Hodge começou a caminhar pelo corredor, balançando a cabeça. - Vou mandar Hugo imediatamente, mas os Irmãos vêm quando bem entendem.

- Mas para isso... - Mesmo Mew estava com dificuldade para acompanhar as passadas longas de Hodge; Gulf estava muito atrás deles e teve que se esforçar para escutar o que ele estava falando. - Ele pode morrer.

- Pode. - Foi tudo que Hodge disse em resposta.

A biblioteca estava escura e tinha cheiro de chuva: uma das janelas havia sido deixada aberta, e uma poça d'água se formara sob as cortinas.

Hugo chiou e se mexeu no poleiro ao ver Hodge se aproximar, pausando somente para acender a luz da mesa. 

- É uma pena - disse Hodge, puxando um papel e uma caneta de tinteiro - Que vocês não tenham recuperado o Cálice. Traria, penso eu, algum conforto para Boat, e certamente para...

- Mas eu recuperei o Cálice - Gulf disse, surpresa. - Você não contou a ele, Mew?

Mew estava piscando, mas, se foi por surpresa ou pela luz súbita, Gulf não sabia.

- Não tive tempo, estava levando Boat lá para cima...

Hodge estava completamente paralisado, com a caneta imóvel entre os dedos.

- Você está com o Cálice?

- Estou. - Gulf tirou o Cálice do bolso: ainda estava frio, como se o contato com o corpo dele não pudesse aquecer o metal. Os rubis piscavam como olhos vermelhos. - Está aqui.

A caneta caiu da mão de Hodge e atingiu o chão. A lâmpada, que iluminava para cima, não favorecia o rosto espantado dele: mostrava cada linha de severidade, preocupação e desespero.

- Esse é o Cálice do Anjo?

- O próprio - disse Mew. - Estava...

- Nada que possa dizer importa agora - disse Hodge. Ele repousou o papel na mesa e foi em direção a Mew, pegando o aluno pelos ombros. - Mew Suppasit, você sabe o que fez?

Mew olhou para Hodge, surpreso. Gulf percebeu o contraste: o rosto enrugado do homem mais velho, e o do menino, intacto, os cachos claros caindo nos olhos, fazendo-o parecer ainda mais jovem.

- Não tenho certeza do que você está falando.

O hálito de Hodge sibilou entre os dentes.

- Você se parece tanto com ele...

- Com quem? - disse Mew, estupefato; claramente nunca tinha ou vido Hodge falar daquele jeito.

- Com o seu pai - disse Hodge, e levantou os olhos para onde Hugo, cujas asas negras batiam pelo ar úmido, sobrevoava logo acima. Hodge cerrou os olhos. - Hugin - ele disse, e com um chiado estranho o pássaro voou direto para o rosto de Gulf, com as garras esticadas. Gulf ouviu Mew gritar, em seguida o mundo não era nada além de penas girando e bico e garras atacando. 

Gulf sentiu uma dor absurda na bochecha e gritou, jogando as mãos para cima instintivamente, a fim de cobrir o rosto.

Ele sentiu o Cálice Mortal ser arrancado de suas mãos.

-Não! - Gulf gritou, agarrando com força. Uma dor agonizante passou pelo braço dele. Suas pernas pareceram ter sido arrancadas do chão. Ele escorregou e caiu de joelhos no chão. Garras atacaram sua testa.

- Basta, Hugo - disse Hodge com sua voz tranquila.

Obediente, o pássaro se afastou de Gulf. Gaguejando, Gulf piscou o sangue para fora dos olhos. Ele tinha a sensação de que o rosto estava completamente rasgado...

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