(CAPITULO NÃO REVISADO)
O rosto encapuzado virou lentamente para si. Gulf sentiu frio até a ponta dos dedos.
-Oi - Gulf disse de forma educada.
Não houve resposta.
- Acho que você tinha razão, Mew - disse Hodge.
-Eu tinha razão - disse Mew. - Em geral, tenho.
Hodge ignorou o comentário.
- Mandei uma carta à Clave sobre isso tudo ontem à noite, mas as lembranças de Gulf são dele. Ele é o único que pode decidir como quer lidar com o conteúdo da própria cabeça. Se quiser a ajuda dos Irmãos do Silêncio, a escolha deve ser dele.
Gulf não disse nada. Dorothea dissera que alguma coisa estava bloqueando sua mente, escondendo algo. É claro que ele queria saber o que era. Mas a figura sombria do Irmão do Silêncio era tão... Bem, silenciosa. O silêncio em si parecia exalar dele como uma onda escura, preta. O rosto do Irmão Jeremiah ainda estava voltado para si, nada além o que grossa como tinta. Gulf sentia calafrios até nos ossos. Da escuridão visível sob o capuz.
-Este é o filho de Jocelyn?
Gulf engasgou-se, dando um passo para trás. As palavras ecoaram em sua mente, como se ele mesma as tivesse pensado.
- É - disse Hodge, e acrescentou rapidamente: - Mas o pai dele era mundano.
-Isso não importa, disse Jeremiah. -O sangue da Clave é dominante.
- Por que você chamou minha mãe de Jocelyn? - disse Gulf, procurando em vão por algum indício de rosto sob o capuz. - Você a conheceu?
- Os Irmãos guardam registros de todos os membros da Clave - explicou Hodge. - Registros exaustivos...
- Não tão exaustivos assim - disse Mew -Eles nem ao menos sabiam que ela estava viva.
-É provável que ela tenha recebido a assistência de algum feiticeiro no desaparecimento. A maioria dos Caçadores de Sombras não consegue escapar da Clave com tanta facilidade.
Não havia qualquer emoção na voz de Jeremiah; ele não parecia aprovar nem reprovar as ações de Jocelyn.
- Tem uma coisa que não entendo disse Gulf. - Por que Valentim acharia que minha mãe está com o Cálice Mortal? Se ela teve tanto trabalho para desaparecer, como você disse, por que levaria o cálice consigo?
- Para evitar que ele pusesse as mãos nele - disse Hodge. - Ela, mais do que qualquer um, sabia o que aconteceria se Valentim tivesse o Cálice. E imagino que não confiasse na Clave para guardá-lo. Não depois que Valentim o tirou deles.
- Suponho que sim. – Gulf não conseguia afastar da voz o tom de dúvida. A coisa toda parecia muito improvável. Ele tentou imaginar a mãe fugindo sob os lençóis da escuridão, com um enorme cálice de ouro no bolso do macacão, mas não conseguiu.
-Jocelyn voltou-se contra o marido quando descobriu o que ele pretendia fazer com o Cálice - disse Hodge. - Não é loucura imaginar que ela faria o possível para evitar que o Cálice fosse parar nas mãos dele. A própria Clave teria procurado primeiro por ela se acreditasse que ela estava viva.
- Ao que me parece - disse Gulf com certa ironia na voz-, ninguém que a Clave pensa que está morta realmente está. Talvez devessem investir em registros dentários.
-Meu pai está morto - disse Mew, com o mesmo tom de voz. - Não preciso de registros dentários para saber disso.
Gulf voltou-se para ele um pouco irritado. - Ouça, não quis dizer...
-Basta, interrompeu o Irmão Jeremiah. -Há uma verdade a ser aprendida aqui, se forem pacientes o bastante para ouvir.
Com um gesto rápido, ele levantou as mãos e tirou o capuz do rosto. Esquecendo-se de Mew, Gulf conteve o impulso de gritar. A cabeça do arquivista era careca, lisa e branca como um ovo, sombriamente denticulada no lugar em que deveriam estar os olhos. Não havia mais olhos agora. Ele tinha lábios entrelaçados por linhas escuras que pareciam pontos cirúrgicos. Agora ele entendia o que Mild queria dizer com mutilação.
-Os Irmãos do Silêncio não mentem, disse Jeremiah. Se quiser a verdade de mim, a verdade terá, mas pedirei o mesmo de você em troca.
Gulf levantou o queixo.
-Eu também não sou mentiroso. A mente não pode mentir.
Jeremiah caminhou em sua direção. –São suas lembranças que quero.
O cheiro de sangue e tinta era sufocante. Gulf sentiu uma onda de pânico.
- Espere...
- Gulf - disse Hodge, em tom delicado. - É perfeitamente possível haver lembranças que você enterrou ou reprimiu lembranças formadas quando você era novo demais para ter alguma recordação consciente delas, que o Irmão Jeremiah pode alcançar. Poderia nos ajudar imensamente.
Gulf não disse nada, mordendo o lábio por dentro. Ele detestava isso.
-Mew. Disse Gulf repentinamente. A ideia de alguém alcançando o interior de sua mente, tocando lembranças tão pessoais e escondidas que nem mesmo ele conseguia alcançar.
- Gulf não precisa fazer nada que não queira. Certo? Perguntou Mew preocupado.
Gulf interrompeu Hodge antes que ele pudesse responder.
- Tudo bem. Eu faço.
O Irmão Jeremiah fez um aceno curto com a cabeça, e se moveu em direção a Gulf com o silêncio que lhe dava calafrios na espinha.
-Vai doer? – Gulf sussurrou.
Ele não respondeu, mas as mãos brancas e estreitas do Irmão leremiah tocaram o rosto de Gulf. A pele dos dedos era fina como papel de pergaminho, toda marcada por símbolos. Gulf podia sentir o poder deles, saltando como eletricidade pungindo sua pele. Gulf fechou os olhos, mas não antes de ver a expressão ansiosa na face de Hodge.
Cores entrelaçavam-se na escuridão atrás das pálpebras de Gulf Ele sentiu uma pressão, um puxão na cabeça, nas mãos e nos pés. Ele fechou os punhos, lutando contra o peso, a escuridão. Sentiu-se como se estivesse sendo pressionado contra algo duro e inflexível, lentamente sendo esmagado. Ele se ouviu engasgar e subitamente ficou todo frio, frio como o inverno. Em um flash, viu uma rua gelada, prédios cinzentos erguen do-se à sua frente, uma explosão de branco lacerando o rosto em partículas congeladas...
- Já chega. - A voz de Mew interrompeu o frio do inverno, e a neve parou de cair, um banho de faíscas brancas. Os olhos de Gulf se abriram abruptamente.
Lentamente, a biblioteca entrou em foco-as paredes alinhadas com livros, às faces ansiosas de Hodge e Mew. O Irmão Jeremiah permaneceu imóvel, uma imagem entalhada de marfim e tinta vermelha. Gulf conscientizou da dor aguda nas mãos, e olhou para baixo para ver linhas avermelhadas na pele, onde as próprias unhas haviam penetrado...
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!¿Where it all began?!
RomantizmIniciada: 26/12/2021. (1°temporada) Terminada: 27/07/2022 Gulf Kanawut decide passar a noite em uma boate popular em Nova York, e o maior de seus problemas possivelmente seria lidar com o segurança da entrada, certo? Errado. Gulf testemunha um cri...