Capítulo Trinta e Um

57 2 0
                                    

Eu acordei um pouco antes do horário das aulas. Arthur já tinha saído. Banho, eu acho.

Agi sem pensar e acabei abrindo minha mochila. Peguei meu caderno e abri na última folha. Um lápis, uma borracha e andei até a mesa e sentei-me. Me pus a desenhar e não percebi o que estava fazendo até já ter terminado. Minha mão suava e doía. E no caderno havia o desenho de portões, barras de ferros com arames farpados e uma cerca elétrica, vinhas em alguns cantos. Nada de flores. Era apenas o portão preto pelo grafite e então, abaixo, fogo. Analisei meu próprio desenho. Me perguntei se eu tinha desenhado mesmo aquilo, se já não estava lá e eu apenas contornei todas as linhas. Então lembrei que esse desenho foi exatamente o que eu sonhei. Uma mistura de lembranças. Os portões de ontem e fogo... talvez de quando eu fui conversar com Allan e fiquei furioso no começo. O fogo tinha a ver com meu temperamento, tenho certeza.

Rasguei a folha e a amacei. Seu destino: o cesto de lixo.

Peguei minha farda, o jeans e uma cueca. Zarpei para o banheiro.

Queria que minhas aulas funcionassem como as séries da Netflix. Dois minutos de aula e duas horas de intervalo. Todas as aulas se arrastaram, sobretudo a aula de português que corria o risco de não ser mais a minha preferida. Allan me deixou entrar na sala mesmo eu estando atrasado cinco minutos. Não havia sorriso em seu rosto ou suavidade em seus movimentos. Tudo nele hoje parece calculado. Até mesmo o modo como andava pela sala enquanto explicava a matéria. Seus olhos nunca ficavam em mim por mais que alguns segundos e nunca queriam dizer nada. Era como se eu fosse apenas uma mosca.

Olhar para Vinci também não me indicou nada.

Na verdade, todo mundo parecia um pouco esquisito hoje. Isso porque a garota que foi atacada continua aqui e descobri que o nome dela é Jasmim. Ela mancava ao andar e havia olheiras profundas que deixavam mais evidenciados seus olhos tristes. Eles eram tristes. Não tinha outra forma de descrevê-los. Por mais que ela andasse de queixo erguido, eu notei que segurava com força a alça da bolsa. Eu fazia a mesma coisa. Ela conversava com as outras meninas e com um outro menino de cabelos pretos, quando passei por eles no corredor. Ouvi ela dizendo que Hudson mandou uma carta para os pais dela.

— Mas Fênix deve ter perdido ela — Jasmim acrescentou pouco antes que eu não pudesse mais ouvir.

Eu duvidava que Fênix pudesse ter perdido alguma coisa.

Eu não via mais o cachorro. Nem aquele Águia de cabelos curtos e olhos grandes. Eles agora só existem na minha memória.

Reprimi o arrepio na espinha quando pensei na possibilidade do som terra e metal de ontem à noite ter a ver com alguma coisa.

Eu não fazia ideia de como Hudson tinha convencido aquela garota a ficar aqui depois disso. Quer dizer, muita gente já foi mordido por um cão — poucas, apenas, tinham coragem de tentar ficar no mesmo canto depois.

Não tive coragem de conversar com ela por mais que eu quisesse muito.

Enquanto andava pelo corredor, indo em direção ao meu quarto para buscar o meu livro para ir à biblioteca, esbarrei em Nicholas. Ele me encarou, furioso. Mas a vermelhidão em seus olhos não era de raiva. Eram requisitos de lágrimas. Eu achei que Nicholas fosse incapaz de tal emoção como a tristeza, assim como alegria genuína. Nem mesmo quando eu o acertei — e foram duas vezes — ele chorou.

Todos os outros alunos estavam se direcionando para o refeitório murado. Nós dois em um corredor sem luz do sol, silencioso e com uma tensão palpável. Percebi que meus punhos estavam preparados.

— Me desculpe — digo, com muito esforço para não parecer ignorante. Bom, eu falhei miseravelmente.

O cabelo dele estava cacheando nas pontas, as pontas na frente dos olhos. Se não fosse a raiva em seu rosto, aquela raiva que ele parece já ter nascido com ela, Nicholas seria um garoto bonito.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora