Capítulo Vinte e Quatro

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Oito e meia, meu coração acelera quando escuto a porta abrir. Segundos que pareceram uma eternidade depois, ao fechar, eu me obrigo a engolir aquela sensação de que ainda havia alguém ali, me observando. O lençol não iria me proteger mesmo que eu ficasse aqui durante a noite toda. Tento buscar ar mesmo estando com o lençol dos pés à cabeça. Minha respiração é trêmula e faz barulho, um chiado que não gosto.

Escuto a voz de Arthur vindo de frente á cama.

— Acordado?

Nada mais que um sussurro porque agora só podemos sussurrar.

Ainda era difícil aceitar que depois do jantar, que foi tenso até o último minuto, fomos obrigados a irmos para os quartos.

Enquanto as obras ainda estiverem sendo feitas, Hudson Andréas havia dito, os alunos estão proibidos de ultrapassarem o horário da noite quando devem ir dormir.

A voz dele foi tão firme que ninguém no refeitório falou. Ah, essa era outra novidade, agora temos mesas no refeitório e somos obrigados a comer lá.

— Sim — respondo para Arthur.

Ele deu um alto suspiro e, por causa da luz que vinha de fora, eu consegui perceber que ele estava olhando para onde o violão dele está. Aposto que meu colega de quarto está se coçando para tocar naquelas cordas e ter o peso do violão próximo a si. Mesmo que saiba que qualquer barulho é proibido. Escuto os passos das Corujas do Corredor e passos lá fora, dos outros vigias, e dos cachorros.

Havia cachorros na Katharine agora.

— Posso ir aí?

Cansado demais para pensar se seria uma boa ideia, eu disse que sim, porque queria que nossos sussurros não ficassem altos demais. Arthur, com passos leves, veio até a minha cama e abri um espaço para ele. Não havia muito. Mas era o que dava para fazer e nos deixar apertado. Pelo menos agora não precisamos mais forçar uma conversa por sussurros que machucavam a garganta depois de duas semanas. Duas semanas... pouco mas muito tempo que Hudson assumiu a diretoria da Katharine e tudo tinha mudado. Mesmo assim não me acostumei com nada, nem um dos sons, ou nem uma das regras. Eu tinha que lutar se quisesse aprender o novo método dele; mas aí estava o problema, o método era tão rígido que não se encaixava na minha cabeça, era coisa demais, difícil demais levar tudo em conta. O silêncio, as conversas limitadas, as aulas mais sobrecarregando os alunos e o tempo reduzido de liberdade que temos.

O corpo de Arthur ficou tenso. É a primeira vez que ele pergunta se pode vir a minha cama. Quando dominamos todo o espaço disponível, ele começa a relaxar.

— Não acharam seu celular?

— Não.

Eu os mudava de lugar a cada revista feita pelas Águias.

Revista era um eufemismo para invasão de privacidade.

— Ainda bem. — ele suspira e cobre os olhos com os dedos — Se eu achava que Linda era a assistente do Diabo não sabia o quão ruim o Diabo podia ser.

Abafo uma risada.

— É... Ruim com ela, pior sem ela. Nunca quis tanto sair de um lugar como quero sair daqui.

— Vai ser idiota perguntar mas... Onde você ficaria se saísse daqui?

— Ficaria de castigo e em uma escola pior, mais longe. Então voltaria até o meu pai, entraria na faculdade de direito como ele quer.

Arthur tocou na minha mão mas não olhou para mim. Aquele gesto me fez ficar tenso, mas apenas por poucos segundos. Tê-lo aqui já não é mais aquele bicho de sete cabeças, eu conseguia perceber quando ele estava concentrado demais em um livro para notar que eu estou o observando. Sei quando ele está com vergonha e quando se irrita mesmo que nunca queira demonstrar nada disso. Parece até meio errado que eu saiba tantas coisas sobre ele e nunca tenha respondido às perguntas que me faz. Aquelas que me encurralam.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora