Capítulo Trinta e Sete

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Na segunda-feira as coisas transcorreram normalmente. Aulas, conversas, evitar pessoas irritantes, boatos, leitura e dor de cabeça.

Meu colega de quarto e eu conversamos um pouco sobre os livros que tínhamos em comum. Ele gostava muito de Jane Austen. Ainda na segunda, Andréas me chamou para ir à sala dele, e recebi um monologo de novo sobre coisas que eu definitivamente não vi e das quais não podia falar. Não sei o que deu em mim naquele momento, sentado de frente para ele, que eu simplesmente levantei e disse:

— Eu já entendi.

E saí.

Não fui chamado na terça-feira. Esse dia foi resumido apenas com aulas, intervalos curtos e uma nova carta do meu pai falando de faculdades e que eu definitivamente teria que respondê-lo em algum momento. Vinci viu essa carta comigo e riu do modo como meu pai era formal comigo.

— Ele é cabeça-dura. Não vai tirar essa ideia da cabeça.

Vinci não falou nada. Eu queria que a minha relação fosse um pouco mais parecida com a dele e Allan. Não foi por falta de tentativas, disso eu tenho certeza. Já tentei conversar com meu pai, mas sempre aconteciam duas coisas: ou ele dizimava meus argumentos com argumentos dele, ou começava a gritar. E eu odiava gritos. Então me calava e concordava, assim era mais fácil.

Na quarta-feira Nicholas veio falar comigo enquanto eu estava na biblioteca. Ele estava... diferente. Não um diferente bom. Seu rosto parecia mais destacado pelos ossos e sombras, e o cabelo vivia bagunçado como se ele já tivesse desistido dele faz tempo. Eu não fazia ideia de como andava as notas dele, só que quase nunca mais vi ele entregando algum dever a um professor. Eu ouvia as discussões dele com Heitor de onde dormia, geralmente acontecia à tarde. Essa conversa que tivemos não foi exatamente uma conversa, ele apenas chegou em mim e começou a tagarelar sobre como Denis e eu e Vinci éramos um bando de veados e filhos da puta. Não reagi a nada, se era o que ele queria. Apenas escutei. E acho que isso o enfureceu mais, porque é isso que acontece quando não se reage às provocações de um idiota; ele fica furioso por você não igualar sua ignorância a dele.

Suas últimas palavras foram: — Eu vou te matar, veado.

Depois disso eu voltei a ler, porque idiotas continuavam idiotas.

O dia amanheceu chuvoso na quinta-feira; nuvens carregadas, cinzas e feias. O tempo ficou horrível o dia inteiro então tínhamos que escolher ficar no refeitório sufocante ou nos quartos, igualmente sufocantes. Não foi um dia agradável, de qualquer forma. Mas eu conseguia saber as coisas que me deixavam felizes em dias ruins: livros, beijos e amigos. Não é estranho que até há cinco meses atrás, o que me deixaria feliz seria o isolamento amargo? E agora quero mais, porque percebi, merecia mais.

Na sexta-feira eu tive mais um sonho estranho. Envolveu véus vermelhos ao céu, que se transformavam em pássaros e que depois sumiam, como brasas. Eu não sei explicar. Mas contei esse sonho para Vinci e ele adorou. É uma coisa que gosto nele, gostar das loucuras que são meus sonhos e compartilhar seus sonhos também. Ele nunca pergunta como tal coisa acontecera, apenas aceita que aconteceu assim. E eu nunca precisava explicar nada duas vezes para ele. Vinci me ouvia.

Mais tarde, ainda na sexta, eu percebi que Andréas estava falando ao telefone com alguém e parecia furioso. Não faço ideia de quem ele estava tentando mostrar seu poder agora, mas fiquei feliz de não ser comigo. Eu já não o suportava mais e até já tive um sonho em que o machucava feio. Foi um bom sonho que guardei só para mim.

No sábado eu estava no quarto com Denis e ele perguntou se eu passaria outro domingo na escola.

— Sim — afirmei e pensei no quão bom foi o último domingo com Vinci e todas as coisas que fizemos.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora