Eu estava dormindo na cama de Arthur. Tinha certeza disso porque ainda me lembrava de ter me arrastado para cá quando o relógio marcou oito horas. Antes disso eu tinha ido jantar sozinho já que Denis não quis se levantar para me acompanhar. Ele queria ficar na inconsciência relaxante do seu sono e eu não ia atrapalhar isso dizendo o quanto queria que ele soubesse que soquei o olho do meio irmão dele. Aproposito, eu vi Nicholas e o olho roxo dele. só não tinha percebido que o roxeado do machucado havia se espalhado um pouco para o nariz também. E ele bateu a cabeça na parede... pensei que haveria culpa. Não houve. Quando voltei para o quarto eu tirei os chinelos e caminhei até a cama vaga, dizendo a mim mesmo que acordaria assim que Arthur aparecesse para que pudéssemos conversar. Conversar de verdade. Ao abrir os olhos percebi que o outro lado da cama estava vazio e o quarto, silencioso. Quase um breu. Coloquei os pés para fora da cama e o chão gelado me deu arrepios.
Algum Águia já devia ter vindo aqui e visto as duas camas ocupadas. Presumiu que se tratava dos dois alunos que aqui dormiam. Escuto os passos das Corujas do Corredor, mas parecem ser apenas ao longe. No outro corredor, das meninas. Descubro, ao abrir a porta, que o corredor está sem nenhuma vigia. Isso faz com que eu desperte pela súbita mudança de coisas na Katharine. Será que as Águias estariam aproveitando a ausência de Linda para se darem um pouco mais de liberdade no horário? Isso não é bom. Estou acostumado com o padrão deles e ficar sem saber quando vão surgir os próximos passos me deixam nervoso. Quase ansioso para ouvi-los logo, vindo.
Mas não vieram.
Tudo que eu vi, apenas espiando, metade do corpo dentro do quarto ainda, foi alguém andando pelo corredor. Parecia ser... Vinci. Pensei em chama-lo. Só que isso me denunciaria. Ou melhor, nos denunciaria. Peguei meu cartão, calcei os chinelos e fui atrás dele, que estava indo na direção do refeitório aberto. Agora deve estar frio demais para qualquer pessoa ficar lá, mas eu queria saber o motivo de Vinci está indo justamente para lá.
A mesa gigantesca vazia, o lugar sem nenhuma alma viva naquele horário e o vento, que assobiava tão alto que meus ossos ficam tentados a tremer na sinfonia. Eu estava tentando não permitir que meus dentes não batessem uns com os outros por causa do frio. E quanto mais força eu fazia, mais parecia que meus dentes iriam quebrar-se.
Avistei Vinci do outro lado do refeitório, olhando para o céu, os pés descalços. Agarrei meus cotovelos e fui até onde ele estava.
— Porque está aqui fora sem chinelo?
Silêncio e o grito do vento.
O frio, grilos e os cabelos de Vinci voando levemente pelo rosto.
Foi só quando toquei no ombro dele — um gesto tão casual que eu tinha parado de pensar duas vezes antes de fazer — que eu percebi que ele estava mais gelado que a noite. Tão gelado que meus dedos queimaram.
Afastei minha mão depressa.
— Vinci...
Ao me encarar eu soube que aquele não era Vinci. Era apenas alguém, um garoto frio, parecido com ele. A resposta veio gritando pelo meu subconsciente até se tornar tudo o que eu pensava. Sonhando! Estou sonhando! É apenas um sonho!
E eu jurei que era isso mesmo. Até ser empurrado pelo garoto e cair. Bater a cabeça e sentir o mundo ao meu redor vibrar como uma imagem fraca de uma tela. Minha nuca latejou e a realidade e não pude mais questionar a realidade. Eu estava com medo demais para isso. em algum canto do refeitório agua pingou e tudo que ouvi foi isso.
Plin, plin, plin.
Olhei para cima e vi o garoto lá. O rosto sem sorriso, apesar de ser o rosto que eu conheço por sorrir demais. Denis.
— Denis, o que...
Rápido como um raio ele agarrou meu cabelo e fez com que minha cabeça batesse no chão. Uma, duas, três vezes. O mundo deixou de ser algo em que eu confiava e passou a ser segundo plano porque a dor dominou tudo, estou sentindo-a pulsar em minhas veias e se espalhando por qualquer canto que eu ouse pensar. Havia dor demais e mundo de menos, o chão era a única coisa que eu sabia existir de fato, além da dor retumbante na minha cabeça, no meu nariz e o gosto de sangue na minha boca.
E mesmo assim, eu continuei repetindo: Sonho, apenas um sonho.
Cuspi aquele liquido viscoso avermelhado.
Minha boca doía onde eu tinha mordido sem querer.
Havia um som, distante.
Parecia ser alguém tocando violino. Ou posso estar confundindo com o zumbindo dentro da minha cabeça, que fica mais alto a cada segundo. Me dedico a respirar sem emitir som, devagar, com cuidado para não parecer prestes a correr, que é o que quero. Não consigo mais pensar que seja um sonho, estou sentindo medo demais, meus pesadelos costumam ser sobre aranhas gigantes correndo atrás de mim, ou sobre homens feitos de sombras que ficam de esgueira na rua apenas me esperando e não sobre sentir dor em todo o corpo, lutando para respirar e sentindo o cheiro de sangue. Eu nunca tive um pesadelo tão vivido assim, então é a realidade, apena a realidade.
Respiro uma, duas vezes antes de criar coragem de Deus sabe onde e olhar para cima.
E ver apenas nada.
Minha cabeça latejava e fui obrigado a parar os esforços de entender o que estava acontecendo e apenas me levantar do chão. Levantei, me segundando na mesa, e tropeçando ergui o olhar de novo para o refeitório aberto aos quatro ventos. Não havia ninguém aqui comigo, só o vento e o frio e mesmo assim, eu ainda sentia gosto de sangue; eu estava chorando e sentindo dois gostos diferentes, lágrimas salgadas e sangue metálico, amargo. Eu criei forças para ir até o quarto. Tirei o cartão do bolso e aproximei da entrada. O ar entrava com dificuldade pelas minhas narinas e saía rápido demais. Abro o quarto e sou recebido pelo calor. Meu corpo recebe o choque da mudança de temperatura e penso em ir ao banheiro para me limpar. Não quero sujar os lençóis de Arthur e...
Estou morrendo de sono de novo.
Um sono mais sólido do que aquele véu simples de uma simples necessidade de fechar os olhos. É mais denso que petróleo, mais forte que a maré e mais gostoso do que a realidade. Eu precisava dormir agora e me permitir afundar. Algo me dizia que eu iria engasgar com o sangue enquanto dormia e incrivelmente não me importei.
Só fiquei surpreso ao perceber que a voz que me disse isso, na minha cabeça, foi a de Mica.
Então eu dormi pensando nele.
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Entrelinhas (Romance Gay)
RomanceAtlas tem esse nome por causa do seu pai. Aliás, seu pai está comandando tudo em sua vida, até mesmo em seus estudos. Atlas foi parar, de um dia para o outro, na Katharine, uma escola de elite que se mostra tão perigosa quanto mesquinha. Há segredos...