Capítulo Quinze

116 9 0
                                    

Estar em casa depois de apenas uma semana me deixa deslocado. Vou ao meu quarto e estranho a cor das paredes e a posição da minha cama, e o fato de que não há outra cama de frente para a minha. Parece um universo paralelo.

Estar em casa também me deixa assustado. Porque meu pai nunca se mudou e a casa de Mica ainda é ao lado. A única diferença entre dois anos atrás para o agora, é que o balanço foi removido de onde estava. Então é o mesmo lugar, as mesas calçadas e casas, só que com coisas faltando —Mica e o balanço.

Tomei banho e lavei o cabelo. Meu medo irracional de fechar os olhos para tirar a espuma me fez sorrir, um momento depois. Ainda havia algumas roupas minhas aqui, o que também é estranho. Estar na Katharine me fez esquecer como é estar com meu pai e saber que ele gosta que alguém arrume a casa dois dias na semana, e que ele ainda tem aquela coleção de CDs de uma banda de forró. Eu havia esquecido, em uma semana, esse ambiente aqui. E voltar a ele... é complicado.

Olho pela janela do meu quarto, mas só vejo a rua de trás. Os pais de Mica não estão no quintal. E lá não existe mais o banco de madeira que o pai de Mica construiu. Ele deve ter jogado fora, assim como as coisas do filho depois daquilo. Me pergunto se ele recebeu a carta que mandei por Fênix. Eu sabia que ele estaria, entre às nove daquele dia e às onze do dia seguinte, no cemitério. Visitando o túmulo do filho.

Meu pai me proibiu de ver o túmulo de Mica depois que os pais dele me acusaram de empurrá-lo na frente do ônibus. Mas nenhum deles ouviu o que Mica me disse antes de me empurrar.

Eu precisava disso.

Depois veio o empurrão, a buzina, a dor nas costas e o pavor que não permitiu que eu me levantasse. E claro, os gritos. E tudo somou ao que é minha realidade hoje.

— Atlas!

— Já estou indo! — Grito.

Sinto o cheiro de feijoada e algo sendo assado. Acho que carne. Penteio o cabelo e vou comer com meu pai. Fingir que somos ótimos em ficarmos juntos.

***

Havia uma série de lugares que eu gostaria de ir antes de voltar para a Katharine. Ainda é sexta-feira, então tenho dois dias ainda. Eu não gostava muito de sair de casa, mas quando sentia vontade, eu ia. Sozinho. O primeiro lugar que visitei foi A Casa dos Pássaros, que é um parque enorme cheio de árvores com galhos enroscados uns nos outros, com várias casas de pássaros que o pessoal construiu. Você pode construir uma casa por vinte e cinco reais e deixa-la aqui ou escolher levá-la. Eu nunca fiz uma casa de pássaros e não sinto vontade de fazer uma agora. Não. Eu vim aqui apenas para andar pelo caminho de ladrilhos azul-cobalto e para ouvir os pássaros. Ficar aqui me acalmava quando eu precisava. Mesmo quando eu tinha que tomar cuidado para nenhuma dessas aves cagar na minha cabeça. Havia uma casa grande para as pessoas tirarem fotos, comer e dançarem, se quiserem. Eu sempre gostei de observar as pessoas dançando, mesmo que eu mesmo não tenha nenhuma coordenação motora para isso.

Gosto de vim aqui por que Regina disse que era um bom lugar para "assentar" os pensamentos. E é verdade. Se você quer se acalmar e assentar seus pensamentos, visite um lugar com árvores, fique distante das pessoas e inspire fundo. Funciona.

Passei alguns minutos apenas respirando, sozinho e cuidando dos meus pensamentos. Depois disso recomecei minha caminhada até a parte mais afastada dos portões, um lugar onde havia folhas secas demais e vozes de menos. Parecia um lugar secreto, cheio de raízes retorcidas e folhagem densa acima, o que não facilitava a entrada de luz do sol.

Encontrei o que procurava.

Há quatro anos, ou talvez mais, Regina, Mica e eu — e o irmão de Regina, Luan, mas ele não conta — viemos aqui em um final de semana e procuramos a "Árvore perfeita" para escrevermos nossos nomes. Ruan achou idiotice mas ele era mais velho; é trabalho dele achar tudo o que a irmã mais nova e os amigos dela fazem idiota. Acabou que a melhor árvore era uma que já tinha algo escrito. Colocamos nossos nomes abaixo da palavra Eixo. Mas também podia ser Sexo. A gente nunca soube. Eu nunca soube.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora