Capítulo Onze

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Eu me senti fora do meu corpo, quase como... olhando por fora.

Mas foi só piscar que tudo voltou aos eixos e eu lembrei onde estava. Na sala de Linda, claro. E com um Nicholas com curativo no nariz e um Denis trêmulo. Eles dois estavam sentados, eu escolhi ficar em pé, o que pareceu irritar Linda. É, eu sabia disso.

Minha cabeça doía e eu sentia algumas coisas me perfurando por dentro da farda. Estava incomodado por ter sido olhado enquanto caminhava até aqui, eu via que as pessoas olhavam primeiro para Nicholas, sangrando e com a mão cobrindo o nariz, depois olhavam para Denis que ainda estava molhado da cintura para baixo e finalmente para mim, que estava bem, sem um único arranhão.

A cada passo para a sala de Linda eu sentia que, um passo atrás do outro, eu sentia minha cabeça latejar. Quando entrei na sala a dor piorou e tive que crispar os lábios para não soltar um gemido sôfrego. Parecia ridículo, mas eu sentia que o teto queria esmagar minha cabeça àquela altura de dor. Tive que resistir à vontade de pedir a Denis para me sentar no lugar dele.

Linda começou um monólogo que parecia ensaiado. Eu tentei prestar atenção mas minha cabeça estava distante.

Minha cabeça estava no que aconteceu no ano retrasado.

Mica e eu estávamos nos balanços do parque público. Grandes demais para brincar de se balançar quando estamos em público, mas quando ficávamos naquele balanço na minha casa, as coisas eram diferentes. Infelizmente, parece que Mica criou algum tipo de ranço por àquele balanço. Eu não o entendia. Esse era o motivo da nossa briga: Eu já não o entendia mais.

Mica sempre teve um ar de criança esperta. Ele conseguia solucionar o problema se pensasse sozinho, a mente dele era rápida e eu tinha certeza de que Mica adorava — mesmo que nunca veio a admitir — de ter sua inteligência elogiada. Naquele dia em especifico eu o estava achando burro.

— Mica, o que está acontecendo? — O meu eu de quinze anos perguntou a ele, um pouco apreensivo.

Mica tinha ótimos pais, as melhores ideias. Ele é meu amigo desde sempre, e toda vez que algo o incomodava eu tentava ajuda-lo. Quando entramos na puberdade... Foi aí que as coisas se complicaram.

Ele tinha aquele olhar vago. Um olhar que, para mim, não focava em nada porque tudo que ele via não era registrado pelo cérebro. Eu estava começando a ficar assustado com aquela expressão vazia dele. Meu pai já havia me dito que podemos nos perder dentro da nossa própria cabeça. E eu disse que isso era impossível. Meu pai apenas disse que eu não quisesse ver a prova.

Mica tinha estado distante de mim. Quando me chamou, apenas ficamos calados naqueles balanços por um tempo, até ele finalmente me contar o que estava acontecendo.

— Eu fiz uma coisa muito errada. Que na hora não pareceu errado. Mas sei que foi.

— O que você fez?

— Acho que eu... Forcei uma coisa. Com alguém.

Aquilo fez com que eu parasse de me importar com minha respiração e simplesmente a parasse até que ele expulsasse tudo.

— Foi há uns meses, por aí. Eu tinha experimentado algumas coisas, mas fiquei mais bebendo. Aí essa garota... Ela veio para o meu lado e começamos a conversar. Não sei o que me deu. Só peguei a mão dela e pus... No meu pau. Ela gostou e disse coisas pra mim... Só sei que forcei a mão dela a ficar no meu pau e até... forcei ela a colocar na boca. Atlas, eu estou arrependido, eu juro.

E ele começou a chorar.

Chorar como uma criança e digo isso porque éramos crianças juntos e eu já o vi chorar tantas vezes que nem me dava ao trabalho de contar. Mica não tinha um choro gritante. Era silencioso, uma coisa dele mesmo, mas que machucava quando ele tinha espasmos. Eu senti duas coisas naquele momento. Horror e empatia.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora