Fora da Narrativa III

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Aquele lugar ficou abandonado por um tempo. Eram só mato e sujeira acumulada. Alguns diziam que era assombrado, mas ninguém nunca quis confirmar essa tese, mesmo que soubessem como. Um terreno em ruínas servia para muitas coisas, dentre elas, para Léo, servia como um lugar para treinar sua arte com tinta. Pichação, para outros. Arte, para ele.

As ruas do Brasil são somadas por pichações, belas e horrendas, algumas com mensagens, outras apenas estão ali porque todo mundo quer deixar alguma marca em alguma coisa. Qualquer coisa.

Léo estava pichando naquela noite de dezembro, faltando apenas três dias para o natal. Suas cores eram azul, vermelho, branco e tinha também a cor preferida do namorado de Léo: laranja.

Ele sabia que não deveria usar laranja nessa arte, ia ficar confuso, mas ele daria um jeito. Ele queria fazer isso especialmente para seu namorado.

Ficou horas ali e seus braços começaram a doer pelo esforço de ficarem levantados e se movimentando, às vezes rápido, às vezes minuciosamente. Era difícil, mas valia a pena no final.

Léo sentiu um arrepio pelo vento, que atravessou as colunas que ainda ficaram de pé depois que a antiga igreja foi demolida e nunca mais reconstruída. O vento literalmente assobiou para ele e Léo ficou congelado de pavor. Mas continuou seu trabalho. Afinal, era só o vento...

E esse mesmo vento assobiou na sua nuca. Um assobio gelado bem ali. E Léo não se virou; ele congelou no lugar. Um enorme pavor tomou conta de si e ele soube que havia algo atrás dele, pressionando os lábios gelados na sua pele, porque não era uma sensação. Sensações passam. Seus dedos largaram a lata de tinha e a pequena bola lá dentro tintilou. O barulho foi a única coisa que Léo prestou atenção. E uma eternidade pareceu se passar até que ele decidiu se virar e encontrou, atrás de si, nada mais do que destroços que já tinha visto. Então algo aconteceu. Uma dor de cabeça que começava bem atrás dos seus olhos e ia se assomando às têmporas. Uma dor insuportável que o fez agachar e pôr as mãos na cabeça. Nos seus pensamentos só uma coisa se passava... O nome do namorado e o quanto o amava. — Léo apagou.

Ao acordar percebeu que apenas uma hora tinha se passado e tudo estava bem. Seus membros intactos apesar de sujos. Ele juntou suas coisas e decidiu que nunca mais voltaria ali. Foi então que olhou para o muro que tinha deixado pela metade. E viu que o desenho estava completo. E mudado. Tudo que ele planejava era desenhar era a cidade, cheia de luzes de natal. E agora o desenho estava... Invertido. As luzes eram apenas vermelhas, como se pegando fogo e deixando a cidade se contemplar com isso.

Léo ficou hipnotizado pelo desenho e ficounaqueles destroços por horas a fio. Quando voltou para casa, sem saber porque,acabou ateando fogo nela e em si mesmo. Até mesmo no namorado, que dormia. Etudo que sentiu foi... gratificação; era o desenho que ele fez, afinal. Ele tinhacerteza.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora