4. Ana da Áustria 75 aos quarenta e seis anos

7 0 0
                                    

Na companhia apenas de Bernouin, Mazarino permaneceu pensativo por algum tempo. Sabia bastante e, no entanto, não ainda o bastante. O cardeal trapaceava em jogos, é um detalhe que Brienne nos revelou: ele chamava isso de garantir suas vantagens. 76 Resolveu só começar a partida com d'Artagnan quando conhecesse bem todas as cartas do adversário.

— Monsenhor tem alguma ordem a dar? — perguntou Bernouin.

— Na verdade, sim — respondeu Mazarino. — Ilumine o caminho, vou até a rainha.

Bernouin pegou um castiçal e seguiu na frente.

Havia uma passagem secreta que ia do apartamento e do gabinete de Mazarino ao apartamento da rainha. Era esse corredor que o cardeal tomava para, a qualquer momento, ir ver Ana da Áustria. 77

Ao chegar ao quarto de dormir em que a passagem desembocava, Bernouin encontrou a sra. Beauvais. 78 Ela e Bernouin eram os confidentes íntimos daqueles amores outonais. A sra. Beauvais se encarregou então de anunciar a visita a Ana da Áustria, que estava em sua pequena capela com o jovem Luís XIV.

Sentada numa ampla poltrona, com o cotovelo apoiado numa mesa e a cabeça na mão, a rainha observava o menino real, que, deitado no tapete, folheava um livro de grande formato, sobre batalhas. Ana da Áustria sabia se entediar majestosamente; podia permanecer horas a fio, retirada em seu quarto ou no oratório, sem ler nem rezar.

Já o livro com que se distraía o rei era um Quinto Cúrcio, 79 ilustrado com gravuras representando os altos feitos de Alexandre.

A sra. de Beauvais apareceu à porta da capela e anunciou o cardeal de Mazarino.

O menino se apoiou num joelho, com um ar irritado, olhando para a mãe:

— Como ele entra assim, sem marcar audiência? Ana enrubesceu um pouco.

— É importante que um primeiro-ministro possa, nos tempos que atravessamos, vir a qualquer momento prestar contas à rainha, sem despertar curiosidade ou comentários na Corte — ela respondeu.

— Não é o que fazia o sr. de Richelieu, tenho a impressão

— observou, implacável, o menino.

— Como pode se lembrar do que fazia o sr. de Richelieu?

Era criança demais.

— Não me lembro, mas perguntei e me disseram.

— E quem lhe disse isso? — insistiu Ana da Áustria, tentando disfarçar um gesto de impaciência.

— Sei que nunca devo dizer o nome das pessoas que respondem às minhas perguntas, pois ficaria sem saber de mais nada.

Foi nesse momento que Mazarino entrou. O rei então se ergueu, fechou o livro e foi deixá-lo em cima da mesa, ficando de pé para assim obrigar Mazarino a também se manter de pé.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora