47. O te-déum da vitória de Lens 338

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Aquela movimentação toda que a sra. Henriqueta havia notado, e cujo motivo em vão procurara descobrir, tinha sido provocada pela vitória de Lens, da qual o duque de Châtillon, que dela havia brilhantemente participado, tinha sido encarregado de informar, da parte do sr. Príncipe. Também era dele a incumbência de mandar pendurar nas arcadas da catedral de Notre-Dame os vinte e dois estandartes capturados, tanto dos lorenos quanto dos espanhóis.

De forma favorável à Corte, a notícia era decisiva no confronto com o Parlamento. Todos os impostos sumariamente criados, e contra os quais os legisladores se colocavam, eram sempre motivados pela necessidade de sustentar a dignidade da França e com a esperança incerta da derrota do inimigo. Como desde Nordlingen 339 somente reveses vinham se somando, o Parlamento se sentia fortalecido para interpelar o sr. de Mazarino quanto às vitórias sempre prometidas e sempre adiadas. Mas ali, no entanto, um grande combate fora travado e com triunfo. Triunfo completo, pois todos compreenderam ser uma dupla vitória para a Corte, vitória externa e vitória interna. De forma que não havia quem, ouvindo a notícia, não exclamasse, como fez o jovem rei:

— Ah! E os srs. parlamentares, o que dizem?

Quando isso ocorreu, a rainha estreitou em seu peito a criança real, cujos sentimentos altivos e indomáveis tão bem se harmonizavam com os seus. Um conselho foi convocado naquela mesma noite, do qual participaram o marechal de La Meilleraie e os sr. de Villeroy por serem pró-Mazarino, Chavigny e Séguier por odiarem o Parlamento, além de Guitaut e Comminges por serem devotados à rainha.

Nada vazou do que foi discutido na reunião. Soube-se apenas que no domingo seguinte se cantaria um te-déum na Notre-Dame, em homenagem à vitória de Lens.

No dia marcado, os parisienses então acordaram alegres: era um grande evento, naquela época, um te-déum. Não fora feito ainda nenhum abuso desse tipo da cerimônia e ela, por isso, causava, na época, uma grande impressão. O sol, por sua vez, parecia querer participar da festa e despontara radioso, dourando as escuras torres da metrópole, já repleta de gente do povo. Mesmo as mais sombrias ruas da Cité 340 tinham ares comemorativos e ao longo do Sena viam-se imensas filas de burgueses, de artesãos, de mulheres e de crianças que se dirigiam à catedral, como um rio que subisse à sua nascente.

As lojas estavam vazias, as casas fechadas, com todos querendo ver o jovem rei e sua mãe, assim como o famoso cardeal Mazarino, tão odiado que ninguém queria se privar da sua presença.

A maior descontração, diga-se, reinava naquele povaréu; todas as opiniões se exprimiam livremente e davam um tom, por assim dizer, de rebelião, junto com os mil sinos de todas as igrejas de Paris, anunciando o te-déum. O policiamento da cidade era feito pela própria cidade e ameaça alguma perturbava a sinfonia da revolta generalizada ou calava as palavras daquelas bocas faladeiras.

Já a partir das oito horas da manhã, porém, o regimento dos guardas da rainha, comandado por Guitaut e tendo como segundo seu sobrinho Comminges, viera se postar, com tambores e clarins à frente, no caminho entre o Palais Royal e Notre-Dame, operação a que os parisienses assistiram com tranquilidade, sempre seduzidos por marchas militares e uniformes brilhantes.

Friquet se endomingara e, a pretexto de uma inflamação dentária que ele apropriadamente conseguira, introduzindo uma quantidade enorme de caroços de cereja num dos lados da boca, havia obtido de Bazin, seu superior direto, uma licença para o dia inteiro.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora