43. O tio e o sobrinho

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O cavalo e o escudeiro do fidalgo inglês o esperavam à porta. Ele tomou então a direção do local em que se hospedara, bem pensativo e olhando de vez em quando para trás, querendo contemplar a fachada silenciosa e sombria do Louvre. Foi quando percebeu alguém que, por assim dizer, emergiu da muralha e passou a segui-lo a certa distância. Ele se lembrou de ter visto, saindo do Palais Royal, uma sombra mais ou menos semelhante.

O escudeiro de lorde de Winter, que o seguia pouco atrás, também observava o cavaleiro, com certa preocupação.

— Tony — disse de Winter, fazendo sinal para que o criado se aproximasse.

— Aqui estou, monsenhor — ele respondeu, adiantando-se até se aproximar do amo.

— Notou um homem que nos segue?

— Notei sim, milorde.

— Quem é?

— Não sei dizer, mas segue Vossa Graça desde o Palais Royal, ficou à espera no Louvre e continua a segui-la.

— Algum espião do cardeal — disse de Winter como que para si mesmo. — Vamos fingir nada ter percebido.

Esporeando forte o cavalo, eles se embrenharam então no emaranhado das ruas que levavam a seu hotel, no bairro do Marais. Tendo por tanto tempo vivido na praça Royale, 323 lorde de Winter havia naturalmente procurado se hospedar perto de sua antiga moradia.

O desconhecido pôs sua montaria a galope.

De Winter chegou ao hotel e subiu a seus aposentos, com o pensamento de que não deveria deixar de se manter atento ao espião. Largando, porém, as luvas e o chapéu em cima de uma mesa, viu, por um espelho à sua frente, um vulto surgir à porta do quarto.

Ele se virou e reconheceu Mordaunt.

De Winter empalideceu, de pé e imóvel, enquanto Mordaunt se mantinha à entrada, frio e ameaçador, como se fosse a estátua do Comendador. 324

Houve um momento de glacial silêncio entre os dois.

— Cavalheiro — tomou de Winter a iniciativa —, creio já ter sido claro para que compreendesse o quanto essa perseguição me desagrada. Retire-se ou pedirei que o expulsem, como em Londres. Não sou seu tio e não o conheço.

— Engana-se, tio — replicou Mordaunt com sua voz rouca e irônica. — E não se livrará de mim como em Londres, não ousará. Quanto a negar que eu seja seu sobrinho, terá que pensar melhor, agora que soube de muita coisa que ainda ignorava há um ano.

— Pouco me interessa o que tenha descoberto! — cortou de Winter.

— Não, isso o interessa muito, meu tio. E tenho certeza de que logo concordará comigo — acrescentou o rapaz, com um sorriso que causou no interlocutor um calafrio. — Quando me apresentei em sua casa pela primeira vez, em Londres, foi para me informar dos meus bens; da segunda vez foi para perguntar o que havia manchado meu nome. Mas agora me apresento para uma pergunta bem mais terrível que as anteriores, a mesma com que Deus interpelou o primeiro assassino: "Caim, o que fez do seu irmão Abel?" 325

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora