86. A realeza do sr. de Mazarino

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A prisão não fizera barulho, não causara escândalo algum e passou mesmo bastante despercebida. Em nada, então, prejudicou o andamento dos acontecimentos, e a comissão enviada pela cidade de Paris foi avisada formalmente que seria recebida pela rainha.

A rainha recebeu-a calada e soberba como sempre. Ouviu as queixas e súplicas dos deputados, mas depois de terminadas ninguém poderia afirmar, de tal modo tinha permanecido indiferente o rosto da rainha, que as tivesse realmente escutado.

Presente à audiência, Mazarino, no entanto, prestava toda atenção ao que pediam os deputados: era, pura e simplesmente, a sua demissão, em termos claros e precisos.

Como a rainha continuava muda, disse o ministro:

— Cavalheiros, junto-me aos senhores implorando que a rainha dê um fim aos males de seus súditos. Fiz tudo que pude para amenizá-los e, dizem os senhores, a crença pública vê, neste pobre estrangeiro que não conseguiu agradar aos franceses, o seu causador. Infelizmente não fui compreendido e não é de se estranhar, uma vez que sucedi ao mais sublime personagem que já deu apoio ao cetro dos reis da França. É a lembrança do sr. de Richelieu que me esmaga. Fosse eu ambicioso, em vão lutaria contra essa lembrança, mas não é o caso e quero dar disto a prova. Declaro-me vencido. Farei o que pede o povo. Se porventura os parisienses cometeram alguns erros, quem não os comete? Paris já sofreu demais, sangue demais já correu, miséria demais tortura uma cidade privada de seu rei e da justiça. Não serei eu, simples indivíduo, que assumirei tanta importância, a ponto de separar uma rainha de seu reino. Uma vez que exigem que eu me retire, muito bem, eu me retiro.

— Nesse caso — disse Aramis ao ouvido do seu vizinho —, a paz está garantida e essas conferências são inúteis. Temos só que enviar, sob boa escolta, o sr. de Mazarino à fronteira mais distante e cuidar para que ele não volte por esta nem por qualquer outra.

— Alto lá, senhor, um momento — respondeu o homem de toga a quem Aramis se dirigira. — Santo Deus! Como vai rápido! Vê-se que é homem de espada. Há o artigo das remunerações e indenizações que deve ser esclarecido.

— O sr. chanceler — disse a rainha, voltando-se para aquele mesmo Séguier, nosso velho conhecido — abrirá as conferências, que serão em Rueil. O sr. cardeal fez declarações que muito me comovem. Por isso não lhe respondo mais demoradamente. No que concerne à sua partida ou permanência, sou reconhecida demais a ele para não o deixar livre, agindo da forma que melhor lhe aprouver.

Uma fugidia palidez nuançou o rosto inteligente do primeiro-ministro. Ele olhou preocupado para a rainha, que mantinha expressão tão impassível que ele, como os demais presentes, não conseguiu decifrar o que se passava em seu coração.

— Enquanto aguardamos a decisão do sr. de Mazarino — continuou a rainha — tratemos apenas das questões relativas ao rei.

Os deputados cumprimentaram-na e saíram.

— Como assim? — perguntou a rainha quando o último deles se retirou da sala. — Cede diante dessa gente de toga e desses advogados?

— Pela felicidade de Vossa Majestade — respondeu Mazarino, fitando a rainha com seu olhar penetrante —, não há sacrifício a que eu não me disponha.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora