46. Uma prova de que a primeira reação é sempre a melhor

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Os três fidalgos tomaram o rumo da Picardia, uma estrada que conheciam bem e que, para Athos e Aramis, relembrava algumas das suas mais pitorescas memórias da juventude.

— Se Mousqueton estivesse conosco — disse Athos chegando ao local em que tinha havido a desavença com uns sujeitos à beira da estrada —, já estaria nervoso, não se lembra, Aramis? Foi quando o atingiram com a tal bala que ficou famosa. 336

— Teria todo direito — ponderou Aramis. — Pois também fico quando me lembro. Veja, ali mesmo, logo depois daquela árvore, tem um lugar em que achei já estar morto.

Continuaram o caminho. Pouco depois, foi a vez de Grimaud buscar na memória. Diante da hospedaria em que o patrão e ele tinham tão bem se empanturrado, ele se aproximou de Athos, indicou a janelinha de respiro da cave e suspirou:

— Salames!

Athos deu uma risada e aquela maluquice juvenil pareceu tão engraçada quanto se fosse com outra pessoa que houvesse ocorrido.

Após dois dias e uma noite de cavalgada, eles enfim chegaram, num belíssimo fim de tarde, a Boulogne, cidade totalmente construída na parte elevada do terreno, àquela hora quase deserta. O que em geral chamamos cidade baixa não existia. Boulogne gozava de uma posição estratégica formidável.

Chegando às portas da cidade, de Winter disse:

— Senhores, façamos como em Paris: vamos nos separar para evitar desconfianças. Conheço um albergue pouco frequentado, mas cujo dono tem minha total confiança. Vou passar por lá, pois deve haver cartas para mim. Entrem vocês no primeiro hotel que virem, o Épée du Grand Henri, por exemplo. Recuperem-se um pouco e nos encontramos em duas horas no cais. Nosso barco vai estar esperando.

Assim ficou combinado e lorde de Winter continuou pela avenida externa para entrar por outra porta, enquanto os dois amigos tomaram aquela diante da qual já se encontravam. Duzentos metros adiante, encontraram o hotel indicado.

Pediram que tratassem dos cavalos, mas que os mantivessem selados. Os criados jantaram, pois já começava a ficar tarde, e os dois amos, impacientes para embarcar, disseram que os encontrassem mais tarde no cais, mas que não conversassem com mais ninguém. Subentende-se que a recomendação se dirigia apenas a Blaisois, já que para Grimaud há muito tempo era desnecessária.

Athos e Aramis tomaram a direção do porto.

Pelas roupas cobertas de poeira e certa descontração que sempre revela o homem habituado a viajar, os dois amigos atraíram a atenção de alguns passantes.

Um deles, sobretudo, se mostrou mais curioso. O indivíduo, que eles notaram antes até de serem notados, pelos mesmos motivos que os faziam não passar despercebidos, ia e vinha entediado pelas docas e assim que os viu pareceu querer puxar conversa.

Era moço e pálido, com olhos de um azul pouco firme que pareciam reagir como os do tigre, de acordo com as cores que refletiam. O seu andar, apesar da lentidão indecisa das passadas, era duro e resoluto. Estava vestido de preto e carregava uma espada comprida com bastante elegância.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora