29. O personagem Broussel 271

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Só que, infelizmente para o cardeal Mazarino, que atravessava dias ruins, o pedestre em questão não ficou tão fora de ação.

Ele, é verdade, tranquilamente atravessava a rua Saint- Honoré quando o cavalo conduzindo d'Artagnan atingiu-o no ombro e derrubou-o na lama. Como foi dito, o cavaleiro sequer prestou atenção em tão insignificante ocorrência. D'Artagnan, diga-se, compartilhava da profunda e soberba indiferença com que a nobreza — e sobretudo a nobreza militar — tratava, naquele tempo, a burguesia. Mantivera-se então perfeitamente insensível à infelicidade do homenzinho vestido de preto, mesmo tendo sido o seu causador, e antes mesmo que o pobre Broussel tivesse tempo de dar um grito toda aquela tempestade de cavaleiros armados já havia desaparecido. Somente então o ferido pôde ser ouvido e posto de pé.

Pessoas acorreram para ajudar a vítima, perguntaram nome, endereço, ocupação e assim que o ouviram dizer que se chamava Broussel, era conselheiro do Parlamento e morava na rua Saint-Landry, um clamor se ergueu entre os que ali estavam, clamor terrível e ameaçador, que assustou a vítima tanto quanto o furacão que acabava de sacudir-lhe o corpo.

— Broussel! — exclamavam. — Broussel, nosso pai! Que defende nossos direitos contra Mazarino! Broussel, o amigo do povo, assassinado, arrastado pelas patas dos celerados cardinalistas! Socorro! Às armas! À morte!

Em pouco tempo, a aglomeração se tornou imensa. Um carro foi parado para nele ser colocado o humilde conselheiro, mas uma voz na multidão observou que, no estado em que se encontrava o ferido, o balanço poderia piorar suas dores e alguns exagerados então resolveram

transportá-lo nos braços, proposta aprovada com entusiasmo e unanimemente endossada. Dito e feito. O povaréu, ao mesmo tempo ameaçador e solícito, carregou-o, à imagem daquele gigante dos contos fantásticos que se zanga com tudo, sem deixar de ser carinhoso e até maternal com o anão que ele leva no colo. 272

Broussel já havia se dado conta de gozar do afeto dos parisienses. Afinal, não vinha, há três anos, alimentando a oposição ao governo sem a secreta esperança de um dia ganhar popularidade. Tal demonstração, naquele momento, causou então muito prazer e orgulho, demonstrando o alcance de seu poder. Mas por outro lado, tal triunfo não deixava de trazer junto algumas inquietações. Além das dores que por si só já incomodavam bastante, ele a cada esquina temia ver surgir alguma tropa de guardas e de mosqueteiros que atacasse aquela multidão. Se fosse o caso, o que seria de quem, visivelmente, triunfava em toda aquela agitação?

O tempo todo ele revia o turbilhão de homens, a tempestade de cascos ferrados que, como um pé de vento, o havia jogado longe. Por tudo isso, com uma voz fraquinha, ele ia repetindo:

— Rápido, meus filhos, as dores são muitas.

E quanto mais cresciam seus gemidos, mais se avolumava a revolta.

Sem maiores problemas chegou-se à residência de Broussel. A multidão, que já invadira as ruas, atraiu o bairro inteiro em polvorosa, levando os moradores às suas portas. Na janela de uma casa com entrada bem estreita, uma velha criada gritava a plenos pulmões e uma senhora, também idosa, chorava. Com visível tensão, mesmo que expressada de maneira diferente, as duas interrogavam as pessoas, que respondiam apenas com gritaria confusa e ininteligível.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora