A ceia foi silenciosa, mas não triste, pois de vez em quando um daqueles finos sorrisos, habituais em seus momentos de bom humor, iluminava o rosto de d'Artagnan. Porthos não perdia um desses sorrisos e, a cada vez, por meio de alguma exclamação, procurava indicar que, mesmo sem entender exatamente, ele não deixava de acompanhar a efervescência cerebral do amigo.
No momento da sobremesa, d'Artagnan tomou uma postura mais relaxada na cadeira, cruzou as pernas e se balançou como alguém perfeitamente satisfeito de si.
Porthos apoiou o queixo nas duas mãos e os cotovelos na mesa, olhando para o amigo daquela maneira confiante que lhe dava, colossal como ele era, uma expressão de tão surpreendente bonomia.
— E então? — perguntou d'Artagnan após um instante.
— E então? — repetiu Porthos.
— O que dizia o amigo?
— Eu? Não disse nada...
— Sim, teve uma hora que disse querer ir embora daqui.
— Ah, isso, sem dúvida! Não falta vontade.
— E acrescentou que, para ir embora, bastava arrombar uma porta ou uma parede.
— É verdade, dizia e digo de novo.
— E eu respondi não ser um bom momento para isso, pois não daríamos cem passos sem sermos pegos e derrubados, a menos que tenhamos roupas para nos disfarçar e armas para nos defender.
— É verdade, faltam-nos roupas e armas.
— Pois veja só, amigo Porthos, nós temos isso — disse d'Artagnan levantando-se. — E até coisa melhor.
— Onde? — Porthos olhou em volta.
— Formidável! Você é realmente talentoso, Porthos.
— Não perca tempo procurando, tudo virá a nós no momento certo. A que horas, mais ou menos, vimos ontem os guardas suíços?
— Acho que uma hora depois que caiu a noite.
— Se eles hoje saírem à mesma hora, temos somente quinze minutos para o prazer de voltar a vê-los.
— No máximo.
— Continua tendo bons braços, não é?
Porthos desabotoou e arregaçou a manga da camisa, olhando satisfeito o braço com as veias saltadas, da grossura da coxa de um homem comum.
— É, continuam bons.
— Sente-se capaz de, sem muita dificuldade, fazer um arco desse pegador de brasas e um saca-rolhas dessa pazinha?
— Fácil.
— Vejamos, então.
O gigante pegou os dois objetos da lareira e, sem aparentar nenhum esforço, operou as duas metamorfoses sugeridas.
— Pronto.
— Formidável! Você é realmente talentoso, Porthos.
— Ouvi falar de um tal Mílon de Crotona, 518 que fazia coisas extraordinárias, como amarrar uma corda ao redor da cabeça e fazê- la estourar com a pressão das veias, matar um boi com um soco e levá-lo para casa nas costas, parar um cavalo pelas patas de trás etc. etc. Soube dessas proezas lá em Pierrefonds e fiz tudo que ele fez. Só não consegui arrebentar a corda.
— É porque a sua força não está na cabeça, Porthos.
— Não. Está nos braços e nos ombros — ele respondeu ingenuamente.
— Pois bem, amigo. Vamos até a janela e use essa sua força para deslocar uma barra. Espere que eu apague o lampião.
518. Célebre atleta grego, morto em 510 a.C., doze vezes vencedor das competições de luta nos jogos antigos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Vinte Anos Depois (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e Ilustrada
AventuraAtendendo a pedidos, a Zahar lança Vinte anos depois, a continuação das aventuras de d'Artagnan, Porthos, Athos e Aramis! Com sua inigualável habilidade narrativa, costurando magistralmente história e ficção, Alexandre Dumas delicia o leitor com nov...