84. A estrada para a Picardia

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Athos e Aramis, seguros em Paris, entendiam muito bem que, assim que pusessem os pés fora da cidade, correriam os maiores perigos. Mas sabemos como homens assim tratam essa questão do perigo. Eles sentiam, aliás, que o desfecho dessa segunda odisseia estava próximo, faltando apenas, como se diz, um último empurrão.

Diga-se que mesmo a cidade de Paris não estava nem um pouco tranquila. Víveres começavam a faltar e, quando um dos generais do sr. príncipe de Conti precisava recuperar influência, ele próprio organizava um pequeno motim e o controlava, ação que por algum tempo lhe garantia a superioridade sobre os colegas.

Num desses motins, o sr. de Beaufort incentivou a pilhagem da casa e da biblioteca do sr. de Mazarino, para que o pobre povo tivesse algo a roer, justificou-se. 498

Athos e Aramis deixaram Paris sob esse golpe de Estado que aconteceu na noite mesmo do dia em que os parisienses foram derrotados em Charenton.

E foi, assim, uma cidade na miséria, beirando a fome, agitada pelos temores e dilacerada entre as facções, que Athos e Aramis deixaram. Como parisienses e frondistas, eles imaginavam encontrar a mesma miséria, os mesmos temores e as mesmas intrigas no campo inimigo. Qual não foi a surpresa deles quando, passando por Saint-Denis, souberam que em

Saint-Germain ria-se, cantava-se e levava-se vida bastante alegre.

Os dois fidalgos preferiram tomar caminhos mais tortuosos, primeiro para não cair nas mãos de mazarinianos espalhados pela região da Île-de-France, e depois para evitar os frondistas que controlavam a Normandia e que os levariam até o sr. de Longueville, para que ele os reconhecesse como amigos ou inimigos. 499 Livres desses dois perigos, voltaram à estrada de Boulogne a Abbeville, seguindo-a passo a passo, traço a traço.

De início, porém, ficaram indecisos. Dois ou três estalajadeiros foram interrogados sem que indício algum esclarecesse as dúvidas ou direcionasse as buscas. Em Montreuil, 500 porém, com seus dedos delicados, Athos sentiu numa mesa algo áspero. Afastou a toalha e decifrou esses hieróglifos inscritos na madeira com a lâmina de uma faca: "Port... — d'Art... — 2 de fevereiro".

— Maravilha! — ele exclamou, mostrando a inscrição ao companheiro. — Íamos pernoitar aqui, mas é bobagem, vamos seguir adiante.

Montaram nos cavalos novamente e chegaram a Abbeville, onde se surpreenderam com a quantidade de estalagens locais. Seria impossível visitar todas. Como adivinhar em qual tinham se hospedado quem procuravam?

— Pense bem, Athos, não vamos encontrar nada por aqui. Se estamos perdidos diante de tanta opção, o mesmo aconteceu com nossos amigos. Se fosse somente Porthos, ele teria se hospedado no melhor hotel e seria certo encontrar algum traço da sua passagem. Mas d'Artagnan não tem esse tipo de fraqueza. Por mais que Porthos tenha reclamado de estar morrendo de fome, ele provavelmente seguiu caminho, inexorável como o destino. É fora daqui que temos que procurar.

Eles continuaram seu caminho, porém nada de novo surgiu. Era uma tarefa das mais sem graça e, sobretudo, das mais tediosas que já tinham empreendido. Sem a tripla motivação do compromisso, da amizade e da gratidão incrustada na alma, nossos dois viajantes inúmeras vezes teriam desistido de procurar vestígios na areia, interrogar moradores, comentar sinais, perscrutar rostos.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora