72. O Mascarado

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Mesmo sendo apenas quatro da tarde, parecia ser noite fechada, com uma neve densa e gelada caindo. Aramis chegou em seguida, encontrando Athos já recuperado, mas ainda arrasado.

Assim que ouviu o amigo, o conde saiu da espécie de estupor em que havia caído.

— O que fazer? — disse Aramis. — Fomos vencidos pela fatalidade.

— Vencidos! Nobre e infeliz rei!

— Machucou-se?

— Não, esse sangue é dele — explicou o conde, limpando a testa.

— Onde você estava?

— Onde vocês me deixaram, sob o patíbulo.

— E pôde ver?

— Não, apenas ouvir. Que Deus me livre de outra hora igual à que passei! Meus cabelos não ficaram brancos?

— Então sabe que eu estava com ele?

— Ouvi a sua voz até o último minuto.

— Tenho comigo a placa que ele me entregou e a cruz que peguei de sua mão. Ele pediu que sejam entregues à rainha.

— Pode embrulhá-las nesse lenço — disse Athos, tirando do bolso o quadrado de pano que ele molhara no sangue do rei.

— E o que vão fazer daquele pobre cadáver?

— Por ordem de Cromwell, serão prestadas as homenagens reais. Colocamos o corpo num caixão de chumbo, os médicos estão embalsamando seus restos e, depois disso, o rei será levado a uma capela para o velório.

— Que escárnio! — murmurou sombriamente Athos. — Homenagens reais depois do assassinato!

— Isso prova que morre o rei, mas não a realeza.

— Infelizmente, talvez tenha sido o último rei cavaleiro, no mundo inteiro.

— Vamos, não fique desolado, conde — disse uma voz grave vindo da escada, que rangia sob as passadas pesadas de Porthos —, somos todos mortais, meus pobres amigos.

— Está chegando tarde, companheiro — respondeu Athos.

— Estou. Havia muita gente no caminho e isso me atrasou. Festejavam, os miseráveis! Agarrei um pelo pescoço, posso tê-lo estrangulado um pouco. Bem nesse momento passou uma patrulha. Felizmente esse tal com quem eu tinha me estranhado ficou uns minutos sem poder falar. Aproveitei para escapar por uma ruela, que acabou me levando a outra ainda menor e, quando fui ver, estava perdido. Sem conhecer Londres e sem falar inglês, achei que não os encontraria mais. Mas cá estou.

— E d'Artagnan? — lembrou-se Aramis. — Não o viu?

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora