85. O reconhecimento de Ana da Áustria

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Athos teve muito menos dificuldade do que esperava para chegar até Ana da Áustria. A seu primeiro pedido, tudo se resolveu da melhor maneira e a audiência solicitada foi fixada para o dia seguinte, na sequência do despertar, 511 ao qual sua linhagem dava o direito de assistir.

Verdadeira multidão comprimia-se nos aposentos de Saint- Germain. Nunca, no Louvre ou no Palais Royal, Ana da Áustria tivera tantos cortesãos. Com uma diferença, porém, nessa afluência: ali, tratava-se de uma nobreza de segunda linha, já que o primeiro escalão da fidalguia francesa se encontrava com o sr. de Conti, o sr. de Beaufort e o coadjutor.

No mais, uma grande alegria reinava nessa Corte. A grande particularidade daquela guerra foi terem sido disparadas mais estrofes e cançonetas que tiros de canhão. A Corte fazia sonetos contra os parisienses, que faziam sonetos contra a Corte. Os ferimentos podiam não ser mortais, mas não deixavam de ser muito dolorosos, provocados pela arma do ridículo.

Entretanto, em meio a essa hilaridade geral e aparente futilidade, uma grande preocupação fixara-se no fundo de todas aquelas mentes: Mazarino continuaria ministro e favorito? Ou Mazarino, vindo do Sul como uma nuvem, seria carregado pelo vento que o trouxera? Era o que todos esperavam, todos desejavam. O ministro, então, sentia que a seu redor todas as homenagens, todas aquelas cortesanices, encobriam um fundo de ódio, mal disfarçado sob o medo e o oportunismo. Sentia-se pouco à vontade, sem saber com o que contar nem em quem se apoiar.

O próprio sr. Príncipe, que por ele combatia, nunca perdia a oportunidade de uma ironia que o humilhasse. Duas ou três vezes em que Mazarino quis persistir em algum ato de vontade pessoal, o vencedor de Rocroy fez com que ele compreendesse que o defendia, mas sem qualquer convicção ou entusiasmo.

O cardeal, então, se remetia à rainha, seu único apoio. Mas duas ou três vezes ele sentira esse apoio vacilar.

Chegada a hora da audiência, avisaram ao conde de La Fère que ele seria recebido, mas que devia esperar, pois Sua Majestade estava em reunião com o ministro.

E era verdade. Paris acabava de enviar uma nova comissão para que se tentasse, enfim, dar prosseguimento às negociações e a rainha consultava Mazarino para se decidir quanto à acolhida que daria aos deputados.

Era grande a preocupação entre os altos personagens do Estado e Athos não podia ter escolhido pior momento para falar de seus amigos, simples átomos perdidos naquele turbilhão desencadeado.

Mas nosso herói era inflexível e não titubeava diante de uma decisão tomada, se tal decisão lhe parecesse enraizada na consciência e ditada pelo dever. Ele então insistiu, alegando que, mesmo sem ser deputado do sr. de Conti, do sr. de Beaufort, do sr. de Bouillon, do sr. de Elbeuf, do coadjutor, da sra. de Longueville, de Broussel ou do Parlamento e estivesse ali por conta própria, mesmo assim tinha coisas importantíssimas a dizer à rainha.

Terminada a reunião, ela então o convocou a seu gabinete.

Athos entrou e se apresentou. Era um nome que fora tantas vezes pronunciado diante de Sua Majestade e tanto fizera vibrar seu coração que ela não poderia deixar de reconhecê-lo. No entanto, permaneceu impassível, limitando-se a olhar o fidalgo com a firmeza só permitida às rainhas, seja pela beleza, seja pelo sangue.

Vinte Anos Depois  (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e IlustradaOnde histórias criam vida. Descubra agora