Eu tenho um plano...
O final de Os três mosqueteiros fez os leitores perderem de vista os seus heróis, que, por sua vez, se despediam uns dos outros, deixando claro que consideravam concluída aquela etapa das respectivas vidas. Estavam então no inverno de 1628-29, e apenas d'Artagnan, promovido a tenente, se manteve na corporação. Vinte anos depois retoma a ação do romance após esse limbo nebuloso e estéril, que sequer aos quatro amigos interessou esmiuçar quando voltaram a se ver, em 1648. O leitor pode estranhar tal falta de curiosidade, mas amigos de verdade se conhecem bem demais para que pequenos detalhes da vida pessoal (casamento, filhos, ocupação) venham interferir, e a conversa é retomada como se ontem mesmo tivesse se interrompido.
É bem verdade, por outro lado, que o tempo da obra não é o mesmo do autor, sobretudo sendo ele Alexandre Dumas. Assim, antes mesmo de terminada a publicação em folhetim de Os três mosqueteiros, entre março e julho de 1844, o cotidiano parisiense Le Siècle já anunciava a sua continuação. E de fato, passados poucos meses e no auge do sucesso dos quatro espadachins, Vinte anos depois debutou no mesmo jornal, a partir de 21 de janeiro do ano seguinte, quase simultaneamente — e não por acaso — ao início da vendagem em livro da primeira parte da série.
As duas epopeias, mais do que se completarem, se promoviam, lucrativa e reciprocamente. Lembremos que duas qualidades do escritor Alexandre Dumas, quase inseparáveis do seu talento literário, foram a visão comercial e o senso de oportunidade. Este último, aliás, em certo momento do romance é metaforizado pelo autor como uma deusa com "apenas um tufo de cabelos [na cabeça] pelo qual [deve] ser agarrada". Já sua visão comercial era sem dúvida formidável, só que ainda insuficiente diante da prodigalidade com que o ganho se dissipava.
Que divertida e movimentada autobiografia/autoficção não se poderia incluir nessa obra monumental, caso já fosse moda o autor se olhar mais explicitamente no espelho... Não sendo esse o caso, você, leitor, pode buscar mais informações no detalhado texto de apresentação de Rodrigo Lacerda para Os três mosqueteiros (Zahar, 2011, trad. André Telles e Rodrigo Lacerda), principalmente no que se refere à vida do escritor e à gênese dos quatro personagens principais — que são verídicos, mas, como frequentemente acontece, menos "imortais" que os do romance.
Somente por falta de espaço esses dados não são repetidos aqui, mas é importante dizer: a leitura de Vinte anos depois independe da leitura de Os três mosqueteiros. Ainda assim, apesar dessa autonomia, quase como private jokes, Alexandre Dumas cuidou de "amarrar" solidamente as duas sequências de aventuras — como faria depois em O visconde de Bragelonne, que completa a trilogia —, e diversas referências, habilmente inseridas no segundo volume, refrescam lembranças deixadas pelo primeiro, ou simplesmente despertam a curiosidade.
Alter ego
Nascido em 1802, Dumas tinha 42 anos incompletos quando publicou Os três mosqueteiros, ou seja, mais ou menos a mesma idade de d'Artagnan no presente romance, e com isso provavelmente aqui se sente mais à vontade na pele do seu herói, que se mostra meio nostálgico de si mesmo e daquela indefectível camaradagem juvenil. Criador e criatura parecem longe da busca da aventura pela aventura e do "um por todos, todos por um". Em determinado trecho do romance, o próprio mosqueteiro, para tranquilizar seu (ex-)criado, tenso com um grupo visivelmente mal-intencionado de cavaleiros, suspira: "Tenho a dizer, Planchet, que infelizmente está longe a época em que príncipes queriam me assassinar. Que época boa! Pode então ficar tranquilo, aquela gente nada quer conosco."
Ressuscitar os quatro mosqueteiros
Os inseparáveis companheiros se dispersaram não se sabe por onde, levando suas vidas longe da corporação mosqueteira, e ele mesmo, d'Artagnan, apenas pela obrigação do próprio sustento manteve a farda, a serviço de um rei ainda criança (Luís XIV, com dez anos de idade), de uma rainha regente distante e enfraquecida (além de ingrata) e de um cardeal ministro que não chega aos pés do seu antecessor, o grande Richelieu, principal inimigo do quarteto de heróis no primeiro apanhado das aventuras.
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Vinte Anos Depois (Alexandre Dumas) - Edição Comentada e Ilustrada
AventuraAtendendo a pedidos, a Zahar lança Vinte anos depois, a continuação das aventuras de d'Artagnan, Porthos, Athos e Aramis! Com sua inigualável habilidade narrativa, costurando magistralmente história e ficção, Alexandre Dumas delicia o leitor com nov...