Capítulo 1: Pobre vida vampírica.

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A medida que a neve caía do lado de fora, sei que meus dias estão sendo contados pelo que sou de verdade. A sombra do inverno é o que me lembra que em breve não vou mais envelhecer e que será impossível esconder de todos fora dos muros do castelo, que não sou humano. Sou aquilo que a maioria deles teme e odeia.

Foi fácil esconder de todos esse tempo todo, evitando as vilas cheias de humanos com sangue inconfundivelmente tentador e delicioso. Fingir estar sempre indisposto quando uma reunião com a minha presença era necessária. Era fácil porque meus pais sempre estiveram do meu lado me ajudando, e a maioria das pessoas que trabalham no castelo, gostam demais dos seus monarcas pra sequer pensar em deixar que a verdade corresse para fora daqui.

Mas eu sinto a tensão no ar, a medida que meu aniversário de 19 anos se aproxima. E logo depois dele, uma preparação para um baile aconteceria, onde eu teria que escolher uma bela moça humana para me casar. Era como se os sinos da minha vida estivessem prestes a tocar, anunciando o momento que tudo viraria caos e sangue.

Estou tentando fugir da eternidade a tanto tempo, que pensar na chegada dela me assusta mais do que pensar em me casar com uma humana. Não posso me casar com uma. Não posso sequer pensar nisso.

Olhei por cima do ombro, vendo a figura de cabelos brancos e lábios pintados de vermelhos passar pela porta do meu quarto, sem se importar com o fato de eu estar nu, enrolado nos lençóis da cama. Ela andou até as portas abertas da varanda, me obrigando a girar a cabeça para acompanhá-la e vê-la fechar as portas de vidro, por onde eu via a neve caindo do lado de fora, enquanto pensava na minha vida confusa.

—O que está fazendo aqui, no meu quarto, tão cedo? —Indaguei, observando os olhos negros dela se voltarem para mim, na cama, antes da mesma curvar os lábios em um sorriso. Prendi a respiração quando ela atravessou a distância da varanda até a cama em um piscar de olhos e puxou o lençol de mim. —Eu estou sem roupas, Kyara!

—E daí? Eu já vi, já usei e abusei de tudo isso que você tem, meu caro príncipe. —Afirmou, agarrando minhas mãos e usando sua super força para me colocar sentado na cama. —Agora você precisa ficar de pé e se arrumar. Estão todos te esperando na sala de jantares.

—Dispenso o café da manhã, obrigado. —Zombei, enquanto ela atravessava o quarto até o imenso closet para escolher uma roupa pra mim. Em todo o tempo que conheço Kyara, já sei que ela gosta muito de roupas e tudo que envolve vestidos e tecidos sofisticados.

—Que pena, a Lou trouxe um sangue super especial pra matar a sua sede, diretamente do vale do Clã Arteryon. Acho que terei que ficar com ele então. —Murmurou, com um ar de falso desinteresse, que me fez rir.

Kyara retornou do closet e colocou as roupas ao meu lado, se virando de costas para que eu pudesse me vestir, o que é no mínimo engraçado, já que ela não se importou com isso quando puxou o lençol de cima de mim.

—Ainda se martirizando pela sua pobre vida vampírica? —Indagou, enquanto eu me vestia, tentando fazer tudo o mais rápido possível. —Ou só está com medo de todas as donzelas que virão ao castelo hoje?

—Minhas pretendestes. —Gemi, só de pensar no fato. —Isso parece um pesadelo. Como vou escolher uma noiva humana se sou um maldito sugador de sangue? Vou matá-la na primeira noite que tivermos juntos.

—Que deprimente, vossa alteza. —Kyara se voltou pra mim, se aproximando para ajeitar a gola da minha camisa. Soltei um resmungo com a boca, fazendo ela rir. —Ei, relaxe, está bem? Ninguém está te obrigando a casar com qualquer uma das moças. Seus pais sempre deixaram claro que você tem poder de escolha. E você sabe que o Clã Arteryon está de braços abertos para recebê-lo.

—Isso não me parece certo. —Afirmei, me sentando na cama, enquanto encolhia os ombros e voltava e encarar a neve que caia do lado de fora, pelas portas da varanda. —Estivesse sempre pensando no amanhã e evitando fazer qualquer coisa errada que colocasse esse segredo em risco. Agora estou na beira do abismo e não dá pra voltar atrás.

Me incomodava ter que pensar que só tinha duas opções. Enfrentar os humanos e ser o seu rei, como vampiro, ou ir para o Clã Arteryon, onde minha tia estaria pra me receber de braços abertos. Não era uma opção ruim, é claro. Era muito melhor do que pensar em enfrentar a fúria dos humanos.

Eu tinha minha tia Lou, tinha Ágape e Kyara, que nos últimos anos se tornou minha melhor amiga, além de me permitir fugir da realidade nas noites que passávamos juntos. Não era nada sentimental. Ela queria prazer e eu queria esquecer o mundo. Parecia uma ótima troca. Além de ela me ouvir e me dar conselhos, quando não está me atazanando com suas conversas sobre Lorde Brendan Veliant e seus pedidos rotineiros para que ela se torne sua esposa. O que eu já deixei claro que ela deveria aceitar.

Mas pensar em deixar meus pais era o pior de tudo. Minha tia já havia se acostumado com o fato que os veria partir um dia. Mas eu ainda não. Ainda me doía pensar nisso. Meus pais são importantes demais pra mim, pra eu pensar em virar as costas pra eles e partir para um clã de vampiros.

—Will, sei que está preocupado e confuso com o que deve fazer. —Kyara segurou meu rosto entre as mãos, abrindo um sorriso fácil. —Mas ainda tem alguns dias até seu aniversário. Sei que as mães casamenteiros malucas já estão caindo em cima, mas a sua decisão é a que conta. Pra todo mundo.

—Queria ser humano, Kyara. Isso seria tão mais fácil e evitaria tudo isso. —Afirmei, umedecendo meus lábios com a língua.

—Quer ser amaldiçoando como sua mãe? —Questionou, se afastando de mim e caminhando até a porta, me obrigando a segui-la.

—Claro que não. Ai meus futuros filhos é que passariam por isso que eu estou passando. —Retruquei, um pouco frustrado. —Chega de maldições. Minha família já lidou com elas o bastante.

Kyara soltou uma risada, balançando a cabeça negativamente. Não era segredo pra mim toda a história da minha tia Lou e da maldição que envolvia seu parceiro, Lorde Nicolay Arteryon. Além do mais, havia a maldição que envolvia a minha mãe e que permitia que ela tivesse uma vida humana ao lado do meu pai.

Pensar nas histórias deles me deixa ainda mais confuso. Todos eles passaram por problemas, maldições e sangue até conseguirem seu final feliz. Me pergunto o que o destino tem pra mim, pra que eu possa conseguir o meu final feliz também.



Continua...

Laços de Sangue e Poder / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora