chapter 𓄿 six

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Preparo o almoço com algumas sobras na geladeira, e coloco tudo numa panela. Matthew está ciscando um pão de três dias atrás, enquanto eu continuo cantarolando aquela melodia que não sai de minha cabeça.

Depois de comer, eu e o corvo nos sentamos no sofá. Mando mensagem para Nala dizendo que estou bem e ela se irrita porque não liguei para ela, sendo que minha amiga estava em reunião naquele momento. Eu vou até meu quarto e pego meu violão, volto para a sala e começo a tocar algumas notas.

- Sabe tocar, Matthew?

- Ah, não. Quando eu era humano nunca cheguei a tentar.

- Quer tentar agora? - Eu rio. - Olha, pisa aqui e aqui. - Eu coloco o violão no chão e ele pisa onde falei. Começo à tocar com minha mão direita, as primeiras notas saem desafinadas mas Matthew pega o jeito. - Isso! Boa Matthew!

Eu ergo minha mão para um "bate-aqui" e ele bate com a asa.

- Estou com uma música na cabeça, desde... nem sei quanto tempo. - Pego o meu caderno de anotações atrás de mim.

A capa está gasta, e manchada de dedos sujos e comidas. Acontece que sempre que eu anoto ali estou com pressa, e minhas mãos sujas. Há muita coisa engraçada escrita aqui, como a música "Kayke, o orc", uma bela canção de como ele parece um orc de Senhor dos Anéis. Procuro uma página limpa e pego uma caneta.

- Eu posso julgar, se você quiser. Se é boa ou ruim, eu posso dizer a verdade mesmo. - Matthew diz.

- Okay! - Eu sorrio e escrevo um pouco. Pego o violão e começo a cantar e tocar notas baixas. - When she was just a girl, she expected the world, but it flew away from her reach, so she run away in her sleep...

Escuto um barulho atrás de mim e levo um susto ao ver Morpheus derrubar meu abajur, que estava na mesinha ao lado do sofá. Ele se agacha e pega o mesmo, colocando no lugar.

Eu fico calada. Ele me escutou cantar, uma música que fala sobre dormir e... sonhos. Eu fico vermelha e fecho o caderno, me levanto e cruzo os braços.

- Não era para você escutar, só Matthew.

- Já vi que o prefere. - Ele abre um sorriso pequeno. - Não a culpo.

- Obrigada. - Matthew diz e nós dois olhamos para ele. - É... eu vou voar por aí.

Ele sai pela janela e voa para longe. Morpheus se senta no sofá, e pega meu caderno de músicas.

- Isso é pessoal. - Eu tento pegar mas ele desvia e consegue abrir. - Você é muito invasivo, sabia?

- Só invasivo? - Ele diz, lendo a música que eu fiz sobre uma borboleta.

- Irritante, mal-educado, se acha a última bolacha do pacote e com certeza só está aqui para me implicar!

- Eu estou aqui, cara Hailey. - Ele fecha o caderno de uma vez. - Para entender o porquê de Lucifer se interessar por você. E porquê Lucifer enviou um livro falando sobre a minha vida.

- Não acha que Lucifer quer entender o porquê de você ficar "intrigado" comigo? - Eu faço aspas, citando o que ele disse.

- Tem razão. - Ele joga o caderno de lado. - Você me intriga.

Eu fico calada, isso soou como outra coisa. O sotaque britânico dele não ajuda, e eu sinto um frio na barriga. Olho para os lados, buscando alguma coisa para falar, mas abro minha boca em vão.

- Estamos quase acabando o livro, não? - Ele diz. - Vamos resolver isso logo.

Eu pego o livro e começo a ler. "As aventuras de Lorde Morpheus" agora contém uma ida ao Inferno para que ele consiga de volta o capacete peste-negra. Eu leio sobre ele entrando no reino, seu encontro com uma mulher acorrentada, que não está especificado quem é, e então Lucifer. A descrição bate exatamente com quem encontrei no meu sonho, então eles começam um jogo para ver se Morpheus iria conseguir o elmo-capacete.

- "Sou uma nova. Explodindo tudo, cremando planetas." Lucifer diz, e o mundo ao redor queima em chamas, inclusive Sonho. Ele cai ao chão, e as grandes asas de Lucifer batem. "Eu sou universo. Englobo tudo, envolvo toda a vida" ele responde. Lucifer diz, sorrateiramente: "Sou a anti-vida, a besta do apocalipse. As trevas no final de tudo". Morpheus, caído e fracassado, sabe que falhou no jogo. Ele tenta se erguer mas não consegue. O corvo começa a grunhir, mas Lucifer sabe que nada sobrevive a anti-vida. Então o corvo diz: "Sonhos não morrem". Morpheus se ergue, e diz para seu inimigo: "Sou a esperança. O que mata a esperança?". Lucifer lhe entrega o seu ermo" - Paro de falar. - Prefiro capacete. - Tusso, e volto a ler: - "Lucifer diz que mesmo ao perder, não deixaria Morpheus escapar do inferno: "Que poder os sonhos têm no Inferno?". O Lorde dos Sonhos responde: "Que poder o Inferno teria sobre seus prisioneiros se não pudessem sonhar com o Paraíso?"

Eu paro de ler, pois as seguintes palavras não conseguem sair da minha boca. Meus olhos se enchem de lágrimas e eu não as controlo, uma dor cresce em meu peito e Morpheus olha para mim confuso.

- O que? - Ele diz baixo e eu engasgo com as lágrimas. - Hailey, o que aconteceu?

- "Eu sei. Eu sei que está lendo isso para ele." - Eu leio e começo a chorar, sinto como se tivessem espremido um limão em cada um dos meus olhos. - "Não deveria ter feito isso, garota estúpida".

Eu solto o livro porque ele começa a queimar minhas mãos, eu me levanto e esfrego minhas mãos freneticamente para tentar aliviar a dor.

- Lucifer te amaldiçoou. - Morpheus diz baixo mas eu escuto.

Eu estou toda queimando, chorando e desesperada. Sonho tenta me tocar para ajudar mas eu me afasto, é uma dor que atinge toda a minha cabeça, e piora porque estou sem ar.

- FAÇA ISSO PARAR! - Eu grito para ele.

Morpheus corre para pegar uma coisa no casaco que estava jogado numa poltrona, e me encontra caída de joelhos. Ele traz na mão um saco de areia, e joga na mão esquerda um pouco da mesma.

- Não vai doer. - Ele diz e sopra aquilo em mim.

Eu sinto meu corpo ficar mole na mesma medida em que eu caio no chão. Mas minha mente acorda no Sonhar, num campo de grama alta. Não parece ter nada por aqui além de mim, então começo a andar para a direção contrária ao sol.

Ando por alguns segundos, e a paisagem muda: agora, à minha frente, há um lago pequeno de água tão cristalina, que consigo ver perfeitamente os grandes peixes coloridos nadando. Eu vejo que estou descalça e entro na água, sentindo o quanto ela estava gelada. Eu arrepio e começo a entrar cada vez mais, até que eu mergulho completamente.

É uma sensação única: água está gelada e eu consigo respirar normalmente debaixo d'água. Eu passo a mão em um peixe que me lembra a Dory de "Procurando Nemo", e subo para a superfície rindo.

- O que está fazendo? - Olho para a margem do lago e vejo Morpheus me encarando. Existe um grande contraste do negro em suas vestes com todo o lugar que me lembra a primavera.

- Não posso nadar aqui?

- Você pode. - Ele responde e olha para os lados. - Mas por que faz isso?

- Não sei! - Eu falo e mergulho, logo volto novamente e vejo que ele está parado do mesmo jeito. - É divertido.

- Você e eu temos mais coisas para conversar, e não dá para ser aqui, ou assim. - Ele diz e dá as costas para mim.

Reviro os olhos e vou nadando para a margem. Saio do lago toda molhada, e desajeitada sigo Morpheus.

- Se não fosse um sonho, você ficaria gripada por andar desse jeito. - Ele diz quando um vento começa. Ele olha para trás e faz um movimento com a mão, e eu me sinto seca.

Quando olho para baixo, estou usando um vestido rosa, curto que vai até minhas coxas. Toco meu cabelo e ele também estava seco, e nos meus pés agora têm um par de rasteiras douradas.

- Escolha interessante para me vestir. Me sinto que nem uma boneca dos anos 80. - Eu olho para ele e ele está sorrindo. - Que foi? - Eu não me aguento e sorrio também. - Eu to parecendo uma boneca dos anos 80, não estou?

Ele não diz nada, ele se vira e volta à andar.

PARADISE  ༅ Tʜᴇ SᴀɴᴅᴍᴀɴOnde histórias criam vida. Descubra agora