chapter 𓄿seventeen

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A primeira coisa que faço quando chego em casa é procurar no meu quarto a caixa de coisas da minha mãe. Minhas mãos tremem, enquanto eu puxo caixas e caixas de baixo da minha cama. Finalmente, eu encontro o que estava procurando.

Diferente das outras caixas coloridas, essa está completamente sem desenhos, apenas com um nome: Mãe. Eu abro a mesma, e tiro de lá vários pertences, como perfumes ainda na caixa, a identidade dela e o registro do casamento, um pé de um tênis branco que ela amava, entre outras coisas. Mas não, não há nenhum resquício do livro Paraíso.

Resmungo um palavrão e coloco as mãos no rosto, buscando qualquer esperança que resta. Aonde ela teria colocado um livro, se não em sua casa? Afinal, todas as coisas que eu tenho dela estão nessa caixa. Pego o tênis, que era mais velho do que eu, e muito gasto. Ele estava sujo, mas se eu limpasse, talvez eu poderia pintar algo nele, como o rosto dela.

Eu sorrio quando penso nisso. Seria ótimo para ajudar um pouco a minha saudade, então começo a colocar as coisas de volta na caixa, deixo o tênis de fora, e fico em pé olhando para ele.

Percebo que a sola está soltando, e procuro nas gavetas da minha mesa uma cola. Não deve resolver, mas mesmo assim eu tento achar. Quando seguro ela nas mãos e abro a sola, eu congelo.

Há uma caderneta velha, com folhas amareladas e muito usadas. Eu largo tudo na mesa e retiro a caderneta, folheando a mesma e vendo que alguém tinha escrito aquelas palavras com uma letra minúscula, talvez para que caiba num objeto tão pequeno. A primeira folha é a única que tem poucos escritos: Paraíso, Helena Éden.

- Boa, mãe.

Me sento na cama e cruzo as pernas, criando coragem para ler. Eu a encontro no fundo do meu coração, onde há uma chama que grita para que eu leia as palavras que ela um dia escreveu.

Paraíso

Éden, Helena

Você mal começou a se mexer em minha barriga e eu já peço desculpas. Às vezes sinto que nunca deveria ter deixado meu ofício, mas eu não era feliz. Acho que devo contar desde o início, para que você entenda.

Os Perpétuos são mais antigos que os próprios deuses. Dizem que se um Pérpetuo lhe ajudar, a dívida é tão grande que será cobrada à todos aqueles que possuírem uma gota de seu sangue. Sonho não é exceção.

Esse foi um dos meus erros.

A humanidade surgiu, e com ela, a suspeita do que acontecia depois da morte. Alguns temiam um mal, que faria as almas ruins sofrerem em um lugar escuro, deserto, flamejante. Inferno.

Mas havia esperança, a confiança em seres divinos que salvariam quem merecia e os levariam para o Paraíso, para mim.

Jardim de Éden, Campos Elísios, Campos de Junco... me deram vários nomes.

Eu fugi de "casa" há milênios. Vaguei pela humanidade e presenciei coisas horrorosas como o fim da Babilônia, a Guerra das Rosas na Inglaterra, as Guerras Mundiais. Mas em todo esse tempo eu me mantive longe de todos aqueles que eram tão poderosos quanto eu.

Eu vivi feliz, e conheci seu pai depois de milhares de anos. Ele era um mortal comum, nada de especial além dos óculos redondos que não tirava para nada. Nós, nos apaixonamos.

Até que um dia, o Lorde do Sonhar me encontrou. Eu sabia que nossos destinos estavam traçados desde o início dos tempos mas eu nunca havia visto ele de fato. Ele me pediu para voltar para meu ofício, e eu neguei. Discutimos, e o chão tremeu. Mas por fim, eu fiz uma promessa que me arrependo e muito.

PARADISE  ༅ Tʜᴇ SᴀɴᴅᴍᴀɴOnde histórias criam vida. Descubra agora