chapter 𓄿 nine

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Passaram-se três dias e nada de Morpheus, mas seu corvo ainda continua vigiando nem tão longe. Mas Matthew não falou comigo, e me pergunto se um dia ele irá falar, enquanto eu estiver perto de Nala acho que não. Talvez eles não queiram mais envolver ela, ou estão ocupados com outras coisas.

Não tive sonhos, e isso me deixa muito triste, pois mesmo que eu não o veja no "Mundo Desperto", eu queria encontrar Morpheus no Sonhar.

Nala não conversa muito comigo além da faculdade, pois estamos fazendo dois trabalhos juntas. Em casa, ela vai para seu quarto e passa o dia todo "estudando". Já no Café, faço tudo normalmente, tentando evitar Kayke (não é difícil pois ele corre de mim igual o Diabo foge da cruz). Droga, pensar nisso me traz de volta para Morpheus.

Deixo meu rosto cair no meio da apostila e escuto a voz da professora sendo abafada nos meus ouvidos. São oito horas da noite, e tudo que eu quero é dormir. Minto para mim mesma que é isso que eu quero, e até parece ser verdade em algum ponto. Logicamente, para sonhar, você deve dormir.

- Temos prova semana que vem e você está dormindo? - Nala me cutuca.

- Eu estou cansada. - Digo baixo.

A professora encerra a aula, e escuto todas as cadeiras se arrastando para os alunos irem embora. Levanto meu corpo e estralo minhas costas, relaxando um pouco, e vejo Nala se levantando. Pego minhas coisas, coloco tudo na bolsa, e me levanto. Mas antes de começarmos a descer a escada da classe, somos abordadas por Sophie. Ela está incrivelmente estilosa hoje, com um conjunto meio social laranja que entra em contraste com sua pele, e faz com que ela brilhe um pouco mais que o normal. Recebo um cutucão de Nala, e percebo que fiquei analisando Sophie por tempo de mais.

- Desculpe, pode repetir? - Eu pisco e volto à realidade.

- Claro! É meu aniversário no sábado, e eu estou chamando vocês duas para irem! - Ela sorri. - Chamei pouca gente para ir numa balada, e eu gostaria muito que vocês fossem. - Ela me olha esperando uma resposta.

- Ahm, claro. Bom, quer dizer, claro que tentaremos ir. Nesse sábado? Hoje é quarta, então faltam 3 dias. - Fico nervosa e olho para Nala. - Não é, Nala?

Ela sorri e não diz nada, então Sophie termina de descer as escadas e sai pela porta. Eu consigo respirar novamente e olho para Nala, que solta uma risada.

- Você travou! - Ela me empurra e sai na frente.

- Para com isso, Nala! Não tem graça!

- Já sonhou com ela? - Ela vira de frente e anda de costas, empurrando a porta com a bunda. - Morpheus ficou com ciúmes e não te visitou mais?

- Você é muito engraçada, viu? Deveria ir para um circo. - Eu saio da sala, e descemos juntas para a entrada da faculdade.

Pelos corredores o pessoal está eufórico, é quase final de semestre, e a maioria hoje vai sair para um bar que é de frente da faculdade. Escuto pessoas falando que estão ansiosas para as férias, e eu concordo, pois a paz sempre reina em mim quando eu não tenho que me preocupar em tirar notas boas.

Quando passamos pela sala dos professores, escuto um deles me chamar. Depois de algumas pessoas passarem, eu vejo que é o Sr. Kyle, professor de Gestão de Projetos. Ele é um homem alto, de 45 anos, pálido e careca, mas sua barba escura cresce quase até o fim do pescoço.

- Senhor Kyle? Quer falar comigo? - Eu digo me aproximando.

- Ah sim, claro. - Ele olha para Nala. - Pode ir, senhorita Highway.

- Te vejo em casa, Hailey. - Ela diz se despedindo.

O professor me chama em sua sala, que é no final do corredor, e me entrega uma papelada. A sala é como qualquer outra de professor: uma mesa, vários armários cheios de papéis e livros, e há um abajur que mal ilumina. Pego a papelada e vejo que é de um estúdio de arte, no Brooklyn, e está escrito que eles querem encontrar alguém formado em administração e que tenha conhecimento em artes diversas.

- E então eu pensei em você, como se inscreveu numa aula optativa ano passado de artes. - Eu fico surpresa porque ele se lembra.

- É uma baita proposta, professor. Eu posso pensar?

- Ah, claro. - Ele demora a abrir um sorriso. - A proposta é só para quando você se formar, Hailey.

Eu sorrio e me despeço dele, enquanto saio da faculdade eu guardo na bolsa todos aqueles papéis e penso que devo analisar eles. Seria um emprego perfeito para quem tem formação e gosta de arte, ou seja, eu.

Caminho pelas ruas atenta, pois já é noite, e passo na porta do Café. Todas as luzes estão apagadas com exceção da placa "closed", piscando em vermelho. Eu tenho a chave, seria fácil entrar lá e checar as câmeras de segurança...

Não, Morpheus provavelmente quer fazer isso, e faz sentido. O que eu poderia fazer se visse quem deixou o livro para mim? Volto a andar para casa.

Mas o Café nunca está vazio senão essas horas, Kayke nunca deixaria eu entrar em sua sala para mexer em seu computador. Então quando eu percebo, estou destrancando a porta principal, iluminando com o celular. Eu entro para a cozinha, e passo para o corredor que leva até a sala de Kayke. A porta está destrancada e eu suspiro aliviada, entro e ligo a luz, desligo a lanterna do celular. Entrei aqui somente para entregar comida para Kayke, e às vezes receber o meu salário, mas o cômodo parece ser totalmente estranho para mim. Aqui há uma mesa com o computador, duas cadeiras, uma de cada lado da mesa; um sofá cinza de frente para uma estante cheia de objetos e livros; uma prateleira do lado da porta que tem mais livros, e uma janela com cortina.

Me sento na cadeira dele, ligo o computador, e ele não demora para abrir, sem senhas. Vou nos arquivos e acho a pasta "gravações.câmeras de segurança". Clico nela, e procuro o dia que aconteceu, achando um vídeo de 24 horas e aperto para começar.

Passo muito para frente, e acho quando eu saio para fora para almoçar. Então eu deito a minha cabeça e começo a dormir, meu cabelo está tão bagunçado que eu fico assustada, eu fico assim todo dia? Então a porta abre, e Kayke surge, mas já? Ele já vai me acordar?

Ele tem algo nas mãos: um livro. Eu o vejo posicionar no meu colo o objeto e sai assustado para dentro do estabelecimento. Foi ele.

- Merda.

Começo a fechar todas as abas do computador o mais rápido possível, eu estou com a mente a mil, mal conseguindo respirar. Não fico para ver se o computador desliga e pego minha bolsa, saindo correndo dali. Mas eu derrubo algo no chão e me agacho para pegar e colocar de volta no lugar. Um porta-retrato com uma foto de Kayke e um homem muito familiar: Kyle meu professor, e no final da foto está escrito: com amor, de papai.

Eu me levanto olhando para tal foto, eu não sabia que eles eram parentes, e nunca imaginei que fossem pai e filho. Coloco no lugar, em cima da mesa, e começo a me afastar, mas algo cai do outro lado da sala. Sinto um arrepio no meu corpo e vou até perto da janela, onde vejo que um pequeno vaso com uma planta caiu. Me agacho para tentar limpar o máximo que consigo, e outra coisa cai da prateleira: um livro. Depois, a cortina cai, as cadeiras começam a girar e a luz começa a piscar.

Eu vou me afastando de costas para perto da porta, tentando me acalmar. Mas a ansiedade parece estar tomando o meu peito, e eu estou assustada para um caralho.

Atrás do sofá cinzento, um homem surge. Kayke está com um olhar estranho, um olhar pesado, triste,  e cheio de olheiras profundas. Sua pele parece estar rachando, e ele atravessa o sofá como se fosse um fantasma.

- Ka...Kayke o que você está fazendo? - Eu pergunto e trombo na porta com minhas costas.

- Sou um mensageiro.

Minha mão sobe para a maçaneta e eu tento abrir, mas ela se tranca do lado de fora. Escuto alguém lá, andando com pisadas pesadas para longe. Estou presa.

- O livro não funcionou, mas Lucifer não vai desistir. - Algo acontece com ele, como se ele tivesse tossindo e arrepiando. - Pelas minhas mãos, o Paraíso morre.

Ele tira do bolso um revólver, e eu perco a respiração. Eu não vou pedir para ele parar porque ele não parece me escutar, o que eu posso fazer contra um revólver? Penso que se fosse a merda de um canivete, como na maioria dos filmes, era só chutar a mão dele.

- Pelas minhas mãos... - A voz dele engrossa e ele começa a gritar.

A voz dele parece quebrar tudo que protege minha audição e sinto uma dor na cabeça que nunca senti. Eu agacho no chão e coloco as mãos nos meus ouvidos. Escuto entre os gritos Kayke engatilhar o revólver, e então silêncio.

PARADISE  ༅ Tʜᴇ SᴀɴᴅᴍᴀɴOnde histórias criam vida. Descubra agora