Isabela Gutierrez

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Atualizando um pouco sobre os meus dias desde que aluguei o apartamento: não aconteceu nada de interessante, além do fato que o técnico de informática que o Alexandre – esse é o nome do porteiro da parte da manhã – me indicou está configurando meu notebook, comprado ontem. Ele anda me salvando de muitas situações, principalmente sobre indicações de lugar pra comer. Quando não como nos arredores, peço por uma maravilha chamada delivery.

Como preciso de uma rotina, a minha é basicamente acordar, tomar café ou tomar fora, pegar pelo menos quinze minutos de sol matinal, vagar sem rumo pela cidade, almoçar, ler até a metade da tarde e escrever alguma coisa. De noite, leio mais um pouco até dormir. Desde que cheguei, as únicas pessoas as quais tenho mais contato são o pessoal da portaria, que me auxiliam com lugares pra comer, dicas de onde ir, um cumprimento de bom dia, boa tarde ou boa noite. Tirando isso, a última vez que conversei de fato com alguém foi com Isolda que, a propósito, ficou super entusiasmada por termos um lugar pra ficar, mas que ficou triste de eu não poder visita-la por ter violado outra regra e ter ficado em castigo disciplinar mais uma vez.

"Mas em breve estarei contigo", disse minha irmã, me prometendo mais uma vez algo que não tinha certeza se poderia cumprir e complementando com um "e cozinharei pra nós. Não está passando fome, né?"

— Todo dia é essa animação? – diz o técnico rindo enquanto a tela preta corre palavras rapidamente em branco. Ele está se referindo à minha vizinha que está ouvindo o que acho ser alguma cantora pop que não conheço no último volume.

Descobri que, nesse perímetro, só mora eu e ela. Nunca a vi, mas sei toda a sua rotina. Ela acorda tarde, sai, e quando chega, pela metade da tarde, coloca música alta, na grande maioria pop e cantarola do seu jeito, vez ou outra brigando com uma Alexa, mas quando dá certa hora da noite, por volta das sete, oito horas, o silêncio é absoluto. Não reclamo porque me faz sentir menos sozinha, e também mão sei se ela percebeu que tem gente que mora ao lado dela. Sei que vez ou outra ouço ela chegar com alguém, mas a pessoa logo vai embora.

— Quando não tem eu até estranho.

Depois de uma hora, ele vai embora. Ofereço café, mas ele recusa, então tomo sozinha com o resto do pacote de bolacha. Com o computador pronto, posso passar meus rascunhos dos últimos dias pra ele. Escrever a mão é cansativo, faz eu gastar o dobro do tempo do que eu podia fazer digitando, sem contar na dor na mão.

Transcrevo minhas anotações até o começo da noite, que, para minha surpresa, falta energia.

— Caralho! – ouço o angustiante grito da minha vizinha ao ter sua sessão de karaokê privado interrompida.

O que quase grito também, já que detesto ficar no escuro. Apesar de estar com bateria, desligo o notebook, procuro pelo meu telefone e ligo a lanterna, abrindo a porta. Pela cara, foi geral, mas vou descer pra conferir. Ainda bem que lembrei de comprar um pacote de velas pra emergência.

No corredor, ouço o clique da porta ao lado, e quando ilumino o local onde ouço o barulho, escuto seu grito novamente.

— Puta que pariu! – ela recua assim como eu – De onde tu saiu?

Puta que pariu digo eu, porque como essa mulher é alta! Sério, se ela não tiver uns dois metros, é quase isso. Ela é magra, com o rosto sisudo pelo pouco que posso ver, usa uma camiseta de banda gasta, as mãos compridas sujas de tinta, o cabelo curto até mais ou menos a orelha, escuro.

— Eu... – tento dizer por conta do choque anterior – sou sua vizinha.

— Nossa, que cagaço – ela coloca a mão no peito, respirando devagar – Espera, disse que é minha vizinha? – concordo e ela cerra as sobrancelhas – Desde quando?

As incríveis desventuras de MorganaOnde histórias criam vida. Descubra agora