Raquel me encara, e antes que abra a boca pra falar algo, seu telefone toca de novo. Ela olha pelo visor do telefone, e o aperta do lado por alguns segundos. Ao levantar o olhar para mim novamente, ela sorri, guardando o aparelho.
— Sim.
Ela para ao meu lado, e dá com os ombros.
— Quais são seus planos?
— Não sei... Dar uma volta por aí?
— E desbravar os perigos noturnos? – ela levanta uma das sobrancelhas, como se tivesse pensando em alguma coisa – É uma ótima ideia.
Só que, enquanto andamos, o vento frio bate forte contra nós, e sinto meu corpo inteiro arrepiar.
— Está com frio? – ela pergunta me olhando de relance.
— É... um pouco, talvez.
E, para minha surpresa, a vejo desamarrar da cintura uma camisa flanelada e a colocar em meus ombros.
— Acho que está precisando mais do que eu.
Sorrio envergonhada. Esse tipo de coisa eu só vi em filme.
— Ah...Obrigada – respondo vestindo-a, e realmente só de colocar já me sinto melhor. Apesar de termos corpos parecidos, ela prefere usar roupas mais largas que o número esperado, e até mesmo sua roupa tem esse cheiro que acho ser de brisa do mar.
Chegamos até uma rua mais movimentada, cheia de bares lotados com inúmeras mesas ao redor da calçada, e caminhamos ao lado delas.
— Posso te fazer uma pergunta, Morgana?
Sua voz chama minha atenção mesmo com tanto barulho ao redor, e a olho de soslaio.
— Sim, o que seria?
— Por que você não fala com sua mãe?
É claro que ela ia fazer essa pergunta, e claro que eu evitei ao máximo entrar nesse assunto, mas... Quando mais você tem contato com alguém, mais ela vai saber de você, querendo ou não.
Cruzo os braços, suspirando, e a vejo olhar para o chão.
— Não deveria ter perguntado... Não é?
— Não, é que... Não é... – Pressiono os lábios, os mordendo devagar – Fácil falar disso.
— Me desculpe, Morgana - Raquel para, engolindo em seco – podemos mudar de assunto.
Seu olhar é realmente de alguém que teme ter falado alguma coisa errada. Eu reconheço porque já o vi várias vezes em contextos diversos. Novamente, me vejo fazendo a mesma pergunta de mais cedo. E se? Deu certo de primeira, me vejo mais segura em arriscar uma segunda ou terceira...
Desvio o olhar pra frente, e continuo caminhando com ela fazendo o mesmo. Preciso de alguns segundos pra poder tomar coragem e dizer o que posso.
— Eu não falo da minha mãe porque é mais fácil pra mim, ou melhor, pra nós... – digo me abraçando contra o frio, com as mãos debaixo dos cotovelos – fingir que ela não existe. Ela... Não me faz bem.
Nos prestamos a continuar caminhando em silêncio, com Raquel esperando que eu prossiga com o que tenho a dizer. A sensação que tenho é que estou cuspindo pregos presos em minha garganta.
— E também não falo com ela há sete anos – dou com os ombros, suspirando pesado – já deixou de fazer falta.
— Nem com você e sua irmã? – ela levanta uma das sobrancelhas, surpresa pelo que eu digo.
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...