Minha cabeça está um zumbido infernal. Sabe quando você pensa tudo e nada ao mesmo tempo? Sou eu depois dessa reunião. Foram tantas cláusulas e pedidos que pedi um tempo para poder ler esse contrato com calma. Me deram até depois de amanhã para entregar caso eu tenha interesse.
Pelo que entendi, Jaqueline vai ser minha agente, e vai ganhar um percentual em cima do que for publicado. Depois, que tenho liberdade criativa com o diretor escolhido, que vou conhecer depois caso seja assinado o contrato. Depois disso, ficou confuso demais.
Pedi pra dessa vez vir só. Auxiliada por Isabela, peguei a condução sem problemas e cheguei antes da hora marcada, mesmo eles tendo se atrasado. Agora eu estou sentada perto dessa fonte de mármore, olhando os pombos bicando um pedaço de pão no chão. O contrato está dentro da pasta azul do meu lado, e hoje o tempo está frio, com tudo bastante cinzento.
Isolda diz que está mais tempo fora de casa atrás de fechar alguma publicidade depois desse tempo fora, alegando que tirou um tempo pra si. Bem, sua aparência continua ótima, talvez até melhor, mas sua personalidade não ajuda. Nunca ajudou.
Olho para o fluxo de pessoas de gravata e blazers passando a passos rápidos de um lado para o outro. Às vezes fico triste comigo mesmo, pensando se eu tivesse aguentado, minha vida não seria diferente. Sinto como se minha vida tivesse esvaído por minhas mãos e agora eu tento ir atrás de uma coisa que não consigo alcançar. Eu me pergunto se em algum momento eu vivi realmente, porque sete anos... Foi tão rápido, mas ao mesmo tempo uma eternidade.
Aquela fora minha realidade, e agora é essa. Talvez Valentina, ou melhor, sua representação, tivesse razão sobre não ser eu mesmo. Eu quero tanto esconder isso que esqueço que isso fez parte e foi minha vida por tanto tempo por vergonha. Para as pessoas, uma quebra mental é sinônimo de fraqueza. Quem é que vai querer ficar perto de alguém com o histórico que eu tenho? É o mesmo de uma empresa que quiser contratar Isolda e descobrir o tanto de coisa que ela já fez.
Não importa o quanto você se esforce, isso é marcado na sua vida. Talvez se não tivesse feito terapia e acompanhamento, não teria conseguido suportar a culpa. Isolda não consegue suportar, e por isso vive procurando tantos meios de fugir da realidade.
Mas, no meu caso, agora vou ser recompensada por isso.
Olho para a pasta, e caminho em direção a casa. Decido ir andando, pensando um pouco. O clima está agradável pra isso, e faz tempo que não faço uma caminhada.
Não posso dizer que era algo que sempre sonhei porque não tenho grandes sonhos na minha vida, só algumas vontades que gostaria de realizar, e essa é uma delas. Dá uma sensação única de que estou sendo útil pra alguma coisa, mesmo que seja referente a como vejo minhas dores.
Não que eu escreva sobre mim. Não tenho estima pra passar pro papel algo que tenha minha essência, mas sim a forma de ver o mundo e como acredito que as coisas acabem acontecendo.
E eu também não me ajudo, digo... Quero fugir do meu estigma, mas eu mesmo o reforço. Não sei interagir direito, tenho medo das pessoas, das coisas que sinto, tudo é conflitante demais, tenho picos de tristeza. Às vezes eu até esqueço que eu ria, que tirava brincadeiras, que batia de frente com alguém. Desde que saí de lá, estou amedrontada, me contradigo... Mesmo eu caminhando pra frente.
Ninguém fica bem do dia pra noite, isso é um fato. Você não vai acordar um belo dia e resolver todos os seus problemas. É um passo de cada vez, e normalmente acontece quando você acha necessário dá-lo. E no momento eu estou incomodada comigo mesmo porque lá eu conseguia ser uma coisa, e aqui não.
Quando dizem que somos nossos maiores amigos e inimigos, é isso. Eu consegui abraçar minhas imperfeições e seguir minha vida, mas no momento que coloquei meus pés pra fora, esqueci como se faz, digo... Não tenho controle de mais nada.
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...