O caminho da aceitação

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Eu já tive um humor melhor do que esse.

É uma mistura de frustração, raiva e tristeza, tudo ao mesmo tempo, e uma pitada de desgosto. Uma ressaca infernal de sentimentos adversos que permeiam a sua mente. Pior é saber que isso vai te acompanhar a vida inteira. Por mais que desejamos sempre dias felizes, boa parte deles vão ser tristes ou monótonos.

— Moça, aqui está seu note – o técnico volta para a recepção e o entrega em minhas mãos – foi difícil recuperar, viu? Mas vai funcionar.

— Ah, obrigada – entrego o dinheiro em suas mãos, mas ele parece estar preparado a falar mais alguma coisa. Paro e o vejo suspirar olhando para minhas mãos. Não está totalmente curada, e os hematomas tomaram a cor de um vermelho tinto, assim como um roxo que se dilui em manchas levemente marrons.

— O que aconteceu com ele mesmo?

— Tropecei no fio e o derrubei – digo secamente, e ele parece entender que não vou falar nada mais do que isso.

Choveu hoje o dia inteiro, sinal que o clima vai mudar em breve, e com isso a vinda de Isolda pra casa em breve. Falando em casa, demorei dias pra arrumar a bagunça que eu fiz. Talvez seja isso que tenha me deprimido ainda mais, junto ao fato de ter dado descarga na cartela que tinha ganho dela. Admirei meu autocontrole, mas confesso que sinto falta. O que foi? Pensava que depois de tanto tempo em uma clínica psiquiátrica, eu não ia acabar com um mau hábito? Se soubessem o que um tarja preta faz na sua mente quando se está atribulado, vai entender porque as pessoas se viciam rápido neles.

Porém, para que meu corpo fosse limpo disso, foi um longo processo no qual não estou tão disposta a jogar para o alto. Mas, se fossem atormentados pelo que ressoa na minha cabeça, será que me entenderiam?

Bem, não há justificativa para isso. Sei que estou errada e devo me remediar – do jeito certo – para evitar que isso aconteça novamente. E acho que estreitar meu coleguismo com minha vizinha é um bom passo. Não saio de casa para interagir com ninguém e ela é a pessoa mais próxima de mim depois da minha irmã, além de que ela me ajudou quando eu precisei sem nem mesmo pedir ou desejar algo em troca, por mais que eu tenha oferecido de tudo um pouco a ela, que negou veementemente.

Como eu poderia dar o próximo passo para dizer que eu estou disposta a confiar nela?

Olho para a padaria ao meu lado de soslaio. Do que ela gosta mesmo? Entro e dou uma olhada na vitrine. Qual era o nome daquele bolo que comemos naquela vez?

Ah, lembrei.




Pelo que sei, ela deve estar pra chegar. A cuca ainda está quente, e deixo em cima da mesa. Como eu chego até ela? "Então, Isabela, aceite isso como um símbolo de que quero ser sua amiga?". Não, muito formal, além do fato que tem que ser algo mais significativo, que ela veja que eu realmente prezo por sua companhia, mas... O quê?

Falar da minha vida antes de tudo isso? Minhas conturbadas experiências de vida? Não, não acho que consiga falar assim. Da Valentina? Piorou. Da minha família menos ainda, já que ela perguntou e eu desconversei como eu pude, mesmo sabendo que quando a Isolda chegar, as coisas serão diferentes.

Pensa, Morgana... O que é importante pra ti e que você não compartilha com quase ninguém?

Afundo meus rostos sob as mãos, suspirando, até que, quando levanto meu olhar, me deparo com a rema de papel no canto da mesa, que agora está apoiada com uma perna improvisada. E se...?

Escuto ela chegar, cantarolando, colocando a chave na fechadura e entrando. Espero alguns minutos até pegar a sacola e, sem pensar outra vez, a resma de papel.

As incríveis desventuras de MorganaOnde histórias criam vida. Descubra agora