Na estrada

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Se me falassem que algum dia sairia de viagem no carro de alguém para tão longe, eu não acreditaria por três motivos: um, que minha mãe nunca deixaria sair com alguém assim, dois porque nunca tive muito amigos e três, por achar que não me sentiria à vontade pra isso.

Estamos no carro de Raquel, que se prontificou de nos levar se ajudássemos com a gasolina. O mais curioso é ter que ouvir metal e pop chiclete alternado, porque desde a hora que saímos elas discutem que música colocar, e olha que essa viagem está estimada em pelo menos doze horas.

Enquanto eu terminava a audição de um livro com os fones de ouvido - ganhei esse livro digital de um dos produtores - dormi em parte dele enquanto elas discutiam sobre não sei o quê. Não consegui dormir a noite inteira pensando nessa viagem e em todos os pormenores, sem contar que devo ter revisado o que tenho na mochila por pelo menos três vezes para me certificar que não esqueci de nada.

A verdade é que fiquei empolgada com a viagem logo que me senti melhor psicologicamente falando, afinal é uma coisa que nunca fiz entre amigas ou pelo menos pessoas próximas. Nem mesmo na escola pude fazer esse tipo de cosia como excursão ou dormir na casa de alguém, ou sequer sair de casa para outro estado ver outros lugares, ter outras experiências. Acho que esse é o motivo que me faz sair a esmo de vez em quando por aí, sem destino específico. Quando abro os olhos, ainda sonolenta, vejo que agora que está no meio da viagem. Ainda está no meio da tarde, e só vamos chegar lá no final da noite.

— Sinto te informar, Isabela, mas eu acho que está totalmente equivocada - Raquel diz sem desviar o olhar.

— Como eu estou equivocada? - ela pula da parte de trás, com a voz marcada enquanto toca Sepultura de fundo - o que logo indica que é a vez da Raquel.

— O que estão discutindo? - pergunto esfregando os olhos, tentando acordar.

— Nada, eu estou as últimas horas ouvindo a Isabela falar dessa mulher pra depois saber que elas não têm nada - Raquel diz entre os dentes - e ela não aceita que isso não vai dar certo.

— Olha, Morgana, eu vou botar os cachorros com essa guria audaciosa - ela diz levantando os braços, e começo a rir nervosa.

— Quem vai botar os cachorros em cima de ti é a mulher dela quando souber disso - Raquel diz entre os dentes, e olho pra Isabela, que fica sem reação alguma além de grunhir e virar a cara.

— Elas estão se separando, é diferente.

— E o que te garante que você não é uma distração - Raquel olha pelo retrovisor - enquanto elas não reatam? - e volta a olhar pra frente.

— Porquê...Porquê...Bah! - ela grunhe mais uma vez, cruzando os braços - Não complica as coisas, se não eu já vou dar pra trás agora.

— Como assim? - ela volta a olhar pelo retrovisor - Vai pedir a mão dela ou coisa assim? E pode?

— Você acha que essa namorada dela não gosta dela? - pergunto olhando pra Raquel de soslaio.

— É claro que não, Morgana - ela olha para o painel do carro, aumentando em dois a música que começa a tocar, fazendo uma careta de satisfação - e nem a Isabela deve gostar também.

— Ela ainda não é minha namorada - Isabela diz visivelmente chateada - e outra, como é que tu fala uma barbaridade dessa? E tira essa música horrorosa - diz ela esticando o braço e diminuindo o som.

— Eu já disse que acho que você tá em uma crise dos trinta anos e quer se apegar as coisas passadas - ela volta a aumentar o som - vocês duas, no caso.

Não consigo esconder meu riso ao ver a cara de indignação da Isabela ouvindo aquilo.

— Vai deixar essa guria andar na janela mesmo, Morgana?

As incríveis desventuras de MorganaOnde histórias criam vida. Descubra agora