— Bom dia! - alguém entra a passos rápidos e ouço o abrir de janelas. Me surpreendo e logo abro os olhos, levatando. Olho de um lado pro outro, e é a mãe de Isabela, a senhora Diana, puxando as cortinas e levando a claridade pro quarto.
Do meu lado, Raquel ainda dorme, deixando o ar escapar devagar pela boca. Pela luz que entra ali, não deve ser mais do que sete horas.
— Dormiram bem? - ela volta a falar, e eu, ainda distraída, só concordo com a cabeça - Ótimo, o café já está na mesa.
Cadê a Isabela? Olho de um lado para o outro, mas não a vejo. A cama do lado está arrumada. Será que ela não dormiu ali? Levanto sem fazer barulho para não acordar Raquel, que parece dormir tão em paz que seria um erro tirá-la dessa posição.
Coloco os sapatos e me arrasto para o lado de fora, onde tem mais gente do que ontem. O que eu acho ser a irmã de Isabela está lá com duas crianças pequenas. Um corre ao redor dela e outra, ainda de colo, dorme em um canto afastado. Quando ela me vê, ela me recepciona com um abraço, o que acho estranho, mas nada falo.
— Tu deve ser a amiga da Isinha - ela diz animada - não é? A Morgana?
— Sim, é... - dou um sorriso que deve escancarar meu sono - Prazer.
— Por favor - ela puxa uma cadeira pra mim - sinta-se à vontade - e pega a garrafa de café, colocando em minha direção. O pai e o irmão conversam em um canto, e o cheiro de pão assado invade o ambiente.
Mas e agora que eu não tomo café? Olho para a garrafa sem reação.
— Ela não toma café - Isabela sai da sala para a cozinha, com a cara de quem não dormiu nada. Os olhos cerrados, o cabelo bagunçado, os movimentos lentos indo até o fogão com uma chaleira em mãos.
— Sério? - a mãe dela fala percebendo a conversa, com os olhos parcialmente arregalados - Então eu vou...
— Não se preocupe, mãe - Isabela gesticula - vou ajeitar um negócio pra ela.
— Por que você não toma café? - a criança que não parava de correr pergunta curioso, me encarando. Ele não deve ter mais de oito anos.
— É...eu não posso - digo eu sem o menor tato com pessoas mais novas.
— Por que não?
— João Paulo, chega - a mãe dele diz, segurando o seu ombro - isso não é hora de perturbar a visita.
— Não tem problema - tento sorrir, mas interação social a esse ponto me deixa muito envergonhada - digamos que... Se eu tomar, fico doente.
— Ah... - ele diz como se tudo fizesse sentido - eu também não gosto de café. Gosto de Nescau, você toma Nescau?
— Às vezes só.
— Por quê?
Depois de um diálogo explicativo para ele dos meus gostos por comida e ele perguntar porque gosto de cada coisa, Isabela me entrega uma cuia cheia de chimarrão.
— E mate - ele aponta pro recipiente fumegante - gosta?
— Acho que sim - puxo pelo canudo de ferro e sinto aquele gosto amargo na boca, mas não é tão ruim quanto eu pensava. É aprazível, e hoje está um frio daqueles.
— Tu quer um pouco, João? - Isabela pergunta pro sobrinho, e ele nega com uma careta. Ela senta do meu lado, serve café preto em uma xícara grande e o sobrinho senta no seu colo.
Isabela joga o corpo pra trás, como se tivesse muito cansada e agora está descansando enquanto a criança pula animada de um lado pro outro, rindo.
— Você dormiu alguma coisa? - pergunto pra ela, que nega com a cabeça.
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...