Vidas libertinas

45 4 0
                                    

Olho para o teto da sala, com os pés apoiados no encosto do sofá, mexendo de um lado para o outro. Hoje está quente, e só me encontro de regata e shorts dentro de casa. Isabela ouve suas músicas ao lado. É uma cena nostálgica.

Já faz semanas desde que vi Moreau, ou melhor dizendo, Maria Júlia de Azevedo Moreau. Ela me chamou pra sair, e depois chamou novamente. Isso é estranho, porque ao mesmo tempo que quero encontrá-la, sei que isso é estranho, e com certeza ela deve saber também.

Mas eu esqueço disso quando estou ali com ela, tocando juntas, como fazíamos. Todos nossos encontros foram para isso, e ali passamos horas. Não há problemas e nem compromissos.  O mundo se fecha por completo ali.

"Você deve voltar a tocar, Morgana. Não desperdice seu talento com historinhas."

E isso acabamos discutindo, como sempre. Moreau é geniosa, eu não aceito suas opiniões, o que culmina com ela saindo emburrada e voltando depois com a cara fechada, tentando fingir que nada aconteceu. Falei pra minha irmã que a tinha encontrado, no que ela respondeu com uma gargalhada seguida de um "eu daria um braço meu pra ver esse encontro. Da próxima, diga que mandei um abraço e que quero vê-la."

Voltar a tocar me ajudou a lidar com minha mente porque, desde que a história entrou em processo de edição, não tive o que fazer, então tocar foi o que ajudou a ocupar minha mente. Eu acordo, faço o que tenho que fazer, durmo, leio. Dei algumas entrevistas, mas pedi para que meu rosto não fosse vinculado a nenhuma, e adivinha só? Isso deu ainda mais engajamento por ter essa aura misteriosa. Eles acharam que foi uma sacada proposital e agradeceram, então deixei que pensasse assim.

Não tenho o que falar porque minha vida entrou em uma calmaria que pouco conheço. Não me sinto mal, na verdade até me sinto bem, e a terapia tem me ajudado muito a lidar comigo. Quase toda semana vou almoçar com minha tia, e nos finais de semana vejo Isolda.

Talvez seja esse o único ponto que me incomode de fato. Ela parece torpe maior parte do tempo, pouco conversa, e isso me angustia muito. Comentei isso com minha tia que pediu pra visita-la, mas ela negou.

E Isabela está triste. Pelo visto, a garota até achou legal ela se assumir para os pais, mas agora ela que precisa de tempo pra saber o que fazer.

Mas e agora, o que faço da minha vida?

Hoje é a folga da Raquel, e ela falou que quer vir em casa, já que não está a fim de ir pra casa. Queria fazer alguma coisa de mais para ela, mas o quê?

Pensei em chama-la pra sair pra comer, mas ela vai chegar cansada e vai reclamar. E outra, ainda me lembro daquele dia vergonhoso. Falei com a psicóloga e ela disse que era normal, que era questão de ter segurança em si, que era pra eu fazer quando eu tivesse confiança, essas coisas.

Eu queria fazer alguma coisa significativa, como dar um presente, mas ela não se liga muito em leitura e sou péssima com tudo que envolva trabalho manual. Não vou dar materiais de tênis porque ela já ganha dos patrocinadores, então...

Do que ela gosta? De música pesada, mas nunca consigo decorar as bandas que ela gosta. Quase todas tem um nome estranho, e ela já tem uma coleção vasta de disco, CD o qual vi uma vez, mas não vi com atenção pra saber o que ela tem.

Acho que uma volta vai me ajudar a espairecer as ideias. Me levanto, troco de roupa, pego minha carteira e bato na porta da casa de Isabela, que me recepciona com o rosto sujo de tinta azul.

— Quer ir no centro comigo?

— Sério? Estava pensando em ir lá mesmo - ela diz parecendo mais animada - Espera só um instante então.

Ela limpa o rosto, troca a camiseta suja e saímos pegando a condução para lá.

— Quero dar alguma coisa pra Raquel - digo segurando no suporte do ônibus - o que você acha que é um bom presente?

As incríveis desventuras de MorganaOnde histórias criam vida. Descubra agora