A casa da família de Isabela logo fica abarrotada de parentes. Tudo é novo pra mim, como crianças correndo de um lado para o outro, pessoas na sala assistindo alguma coisa conosco, barulho de música, o cheiro de churrasco incrustando o ambiente, muita conversa, muita bebida.
Minha família mesmo antes era bem pequena. Meu pai não era de lá e seus familiares moravam longe demais para muitas visitas, e minha mãe só tinha os irmãos como família. Meus avós maternos morreram antes que eu nascesse, e meus tios não tiveram filhos, somente minha mãe. Minha tia nunca quis, meu tio não podia e também não queria, já que seu trabalho não permite isso.
Logo, ter um festejo assim repleto de gente é como viver a cena de um filme. Crianças me enchem de perguntas, entregam brinquedos na minha mão, conversam sobre seus desenhos favoritos, mas eles não parecem gostar de Raquel. Na verdade, sei que ela também não gosta de crianças, e quando o barulho aumentou, ela saiu, já eles não permitiram o mesmo comigo.
Isabela me resgata quando uma delas sobe no sofá, colocando um pano na minha cabeça dizendo que vou ser a princesa resgatada da torre. Ela, já parecendo mais acordada e tomada banho, os afasta e senta do meu lado. Usa uma camiseta vermelha, o que leva o olhar de reprovação de quem passou por ela no corredor.
— Tô no bagaço e morrendo de medo, Morgana - ela ri nervosa - tem muita gente aqui.
— Você disse pra eu não te deixar desistir.
— Mudei de ideia agora, nesse instante.
— Já me alertou sobre isso - volto a dizer, dando com os ombros.
— Isso não vai dar certo.
Também acho que não, mas eu vou cumprir com o prometido.
— Vai dar sim, tá bom? - seguro sua mão com firmeza - Eu estou aqui, não que adiante de alguma coisa, mas...
Ela respira fundo, pausadamente. As crianças voltam a nos cercar, dessa vez jogando o pano em cima da cabeça de Isabela, que resmunga, mas só os faz rir.
— Pessoal - um homem que não decorei o nome vai para a sala - vamos bater os parabéns pra tia?
Dá pra sentir a tensão de Isabela saindo pelos poros, mas ainda assim ela se levanta e eu a sigo. As pessoas se amontoam próxima da farta mesa - o que me dá fome mesmo sem ter com tanta coisa - e o bolo generoso bem no meio.
Cantamos os parabéns. Não lembro a última vez que participei de um aniversário além do meu, e possivelmente nunca fui em um com tanta gente. Quando ela sopra as velhinhas, alguém bate no copo, chamando a atenção de todos. É o pai de Isabela, Fabiano.
— Quero agradecer a todos que estão aqui - ele diz satisfeito - é sempre um prazer reunir a nossa família, mesmo não estando todos aqui...
Me questiono então se tivesse todos. Olho para Isabela, que vira um copo do que acredito ser vinho tinto, do lado da mãe, que esfrega a mão contra o seu braço. Já eu sinto o toque de uma mão contra a minha cintura, e ela parar atrás de mim.
— Já começou a confusão? - diz Raquel sussurrando em meu ouvido, e nego.
— A minha maior alegria é ver todos vocês aqui, seja irmãos, sobrinhos, amigos... - e dá um largo sorriso direcionado a todos - Meus filhos! Meu coração transborda de alegria com meus filhos juntos a mim...
E os abraça, envolvendo-os com um abraço. As pessoas aplaudem, e Isabela tosse de fundo, enchendo o copo com mais vinho tinto.
— Minha cria mais nova quer falar alguma coisa - ela volta a falar, e sinto o olhar de Raquel para mim. Será que agora vai?
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...