Clube dos corações partidos

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Olho para o espelho. Não está nada mal, eu acho, mas preferiria uma segunda opinião. Se já não fosse encontrar Isolda nesse final de semana, a importunaria com isso porque, se tem uma pessoa que entende de moda e poderia dar uma boa dica, é ela.

Caso alguém se questione o porquê, é porque minha irmã, antes de tudo acontecer, era modelo. Uma daquelas bem requisitadas e com uma dieta nociva e problemas de autoimagem causadas pela indústria. Com certeza ela teria uma opinião incisiva sobre qual peça se sobreporia melhor.

Mas, já que não tenho suas valiosas dicas, tento confiar na minha. Calças de alfaiate preta, uma camiseta branca de algodão – já deu pra perceber que sou monocromática – suspensórios também na cor preta. Se o tempo esfriar, coloco uma camisa que já tenho. Não quero outro par de sapatos além dos meus tênis gastos, mas me interessei por esse par de meias.

O evento vai começar às sete da noite. Pelo que entendi, você tem que chegar uma hora depois do começo para não ter o risco de participar da organização. Não entendo, se marcam para uma determinada hora, por que só começa depois? Já são cinco horas, então após o lanche da tarde, vou pra casa.

Terminei a transcrição dos manuscritos ontem. O problema de ter uma certa obsessão pelas metas que se propõe a cumprir é que acaba dedicando seus dias a isso e quando acaba, aquela sensação de vazio vem por um tempo até preenche-la com outra coisa. Essa foi a primeira parte, a segunda é a pior, que é ver o que serve ou não. Costuma ser a mais demorada também.

Estou com uma história finalizada, uma para revisão e essa como novidade. E essa última, acredito eu, foi a que mais demorei pra fazer, e também a que mais me dediquei. Essa já é a terceira versão.

Tomo um banho demorado, e vou me vestir. Penteio o cabelo pra trás, e concluo que preciso ir em um cabelereiro ou um barbeiro, tanto faz, mas alguém que dê um jeito nesse embolado capilar. Termino minha última leitura e, quando vejo no relógio, já são sete e meia. Pelo que vi, o endereço fica a vinte minutos aqui caminhando, mas vou de transporte coletivo, que demora pelo menos o mesmo tempo por causa do trânsito.

Paro em frente a uma galeria de arte no qual está uma faixa situada falando da mostra que ela disse, e isso me faz lembrar que nunca realmente entrei em uma, a não ser que ver a mostra de arte anual para angariar fundos para a compra do material artístico da clínica contar. Não sou a pessoa mais ligada nisso, já que minha instrução artística foi entre as coxias dos teatros, mas minha mãe sempre dizia que era importante ter conhecimento artística diverso porque isso nos enriquece como pessoa, além de que soamos mais interessantes como consumidor de arte.

Mas, com todo o respeito, pelo que lembro, isso não bastava de pauta para gente se sentir melhor do que os outros por viver em um contexto elitista, coisa que combina bem com a índole dela.

Ah, Morgana, a última coisa que você precisa agora é disso, então só entra sem reclamar. Vai que seja legal.

Ao passar pela entrada, noto em como o local é todo deslumbrante. Eu, como uma boa leiga no assunto, nunca entendi o conceito de ficar analisando obras de arte, mas agora, imersa em um local repleto disso, logo começo a compreender.

Há algumas pessoas espalhadas por um canto e outro, bebendo drinques, conversando, usando roupas conceituais, joias, discutindo sobre sabe-se lá o quê. Incrível como não importa onde eu esteja, tenho a proeza de me sentir deslocada em todos os lugares. Em bares, em parques, agora até aqui. Quando eu coloco os pés para fora, tenho vontade de voltar no mesmo passo, mas me forço a sair. Cansei de ouvir que exclusão social não ia me fazer bem, então concluo que talvez em um cemitério eu me sinta mais à vontade. Vou estar cercada de pessoas ali – ou o que sobrou delas – e não vou precisar interagir com ninguém – o que pelo menos espero.

As incríveis desventuras de MorganaOnde histórias criam vida. Descubra agora