E aqui estou eu, mais uma vez, sentada em um sofá com uma psicóloga olhando pra minha cara enquanto analisa uma pequena resma de papel. É uma sala simples em tons beges, um sofá marrom escuro e sua cadeira acolchoada na mesma cor.
Ela é jovem, não deve ter mais do que trinta anos, mas, segundo minha tia, tem especialidade de lidar com gente como meu caso. Malucos sem causa? Não quis perguntar, mas ela está há uns cinco minutos olhando pra esse papel. Formulário de internação dependendo do que falar agora, talvez?
— Morgana – sua voz é calma e serena – eu quero te explicar alguns procedimentos antes de começarmos a conversar.
Não disse? Vão me amarrar e me jogar dentro de uma ambulância. Olho para os lados. A sala não tem sequer janelas, não tem pra onde fugir. Olho mais uma vez, e acho que ela percebe o meu iminente nervosismo.
— Eu quero que saiba que sua tia, quando entrou em contato comigo, me deixou a par de sua situação... – e ela aponta para os papéis – então eu entrei com um pedido pra ter acesso aos seus prontuários, mas só pra entender a sua condição e a melhor abordagem, nada relacionado a uma reinternação.
Ela está mentindo? Não dá pra saber, esses psicólogos são muito convincentes.
— Então... O que gosta de fazer no seu tempo livre?
A sessão não é ruim. Ela mais fala de mim e sobre o meu modo de ver as coisas do que realmente perguntando sobre minha vida. Talvez vá fazer isso depois, já que se ela sabe de mim, com certeza vai começar com aquela conversa da minha relação com pai, mãe, irmã e afins, como eu me senti de fato, lidei com isso, suicídio, inseguranças, medos, etc. que me faz sair chorando toda vez ou abandonando pela metade.
Então eu sigo de volta pro trabalho, onde sou recepcionada de uma maneira, no mínimo, inusitada por Jaqueline.
— Olha, chegou nosso grande talento!
Cerro as sobrancelhas, confusa.
— Por que está falando isso?
— Você ainda pergunta? – ela diz surpresa, pegando o telefone e dando alguns cliques na tela – Olha!
Quando olho pra tela, meu coração gela, assim como todo o resto do meu corpo. Lá está eu, compenetrada em frente ao piano, tocando enquanto tem uma ou outra pessoa também filmando ou somente assistindo. Minha tia está ali no canto, me olhando, e na tela está escrito "alguém sabe quem é? Ela toca demais!"
Encaro Jaqueline sem expressão além dos olhos arregalados de temor.
— Onde está isso? – aponto para a tela, nervosa.
— Eu não sei, me enviaram no grupo, viram e te reconheceram – ela parece animada – por que nunca disse que tocava?
— Quem enviou? – digo em um tom mais assertivo, e ela olha despretensiosa para o contato.
— Foi a Olívia, por quê?
Assinto com a cabeça e desço até a parte das gravações. Ao chegar lá, pra piorar, sou recebida com ainda mais animação do que Jaqueline, com Mateus gesticulando como se tocasse um teclado.
— Eu nem tenho roupa adequada pra receber Beethoven – ele diz em um tom descontraído, mas vou logo com Olívia.
— Onde você viu esse vídeo? – pergunto pra ela, que cerra as sobrancelhas, fazendo um bico com os lábios, como se não entendesse o motivo da minha pergunta.
— Foi no TikTok, alguém postou e eu te reconheci na hora.
— O que é um TikTok?
Ambos olham confusos pra mim e ignoram meu comentário. Olívia pega o telefone, me mostrando o vídeo novamente.
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...