Seu quarto não é diferente do que imaginei. De cor branco gelo – os tons claros predominam nesse espaço – fica no segundo andar da casa, de frente para a rua, onde tem uma pequena sacada acessada por uma porta de vidro de correr. Pelo menos cinco raquetes amontoadas no canto do quarto, assim como outros acessórios, como bolas verdes-limão, tênis, esparadrapos coloridos. Na parede ao meu lado, duas prateleiras amontoadas de troféus, medalhas, títulos, anúncios de jornal colados e emoldurados. Um pouco mais ao lado, uma estante com diversos discos, CDs, DVDs, um aparelho de reproduzir música moderno, um toca-discos que apesar do estilo antigo, deve ser novo também.
Meus pés balançam, tocando somente com as pontas no tapete estampado abaixo deles. À minha frente, a porta do banheiro, onde ouço a porta do box do banheiro correr. Ela deve ter saído do banho. Eu fui antes, e depois do banho e uma escova nova cedida, agora me vejo usando as suas roupas emprestadas, e passando a mão devagar no edredom branco que fica em sua cama de casal.
Ela sai do banheiro já vestida com uma regata preta e calças xadrez, balançando o cabelo antes de colocar a toalha de lado.
— Não está mesmo com fome?
Respondo negando com a cabeça, e ela dá com os ombros.
— Se importa se eu desligar a luz? – Raquel aponta para o interruptor, volto a negar. Quando ela o faz, o lugar não fica escuro de fato. Só é tomado por uma penumbra, mas a luz de fora entra pelo quarto.
Ela se senta ao meu lado, e suspira, pegando o telefone e o colocando de lado.
— Você não quer se deitar? – diz ela encostando o corpo no colchão, apoiando a cabeça no braço que está tocando a cama.
— Não.
Raquel nada diz, e rola pela cama, deitando seu corpo na totalidade.
— Bom... – estou de costas para ela, mas ainda posso vê-la olhando para cima, suspirando - Morgana, acho que tem que saber que sua irmã conversou comigo e com sua amiga...
Ainda bem que ela não pode me ver, porque a minha cara com certeza denunciaria que estou receosa com o que ela tem a dizer.
— E acabou falando um pouco da vida de vocês.
Espero que Isolda não tenha bebido o juízo dela dessa vez.
— E eu me pergunto, como é que você... – sua voz é séria, e a olho de relance – consegue aguentar tanta merda calada.
— O que ela falou? – olho-a de relance e volto a olhar para o chão.
— Que a família de vocês é digna de um filme de terror, que a mãe de vocês a abandonaram quando mais precisou e... – Ela se senta na cama – Que ela tem problemas com álcool.
Abaixo a cabeça ainda mais, esfregando meus dedos um contra o outro. Não sei como ela tem coragem de falar essas coisas assim, sendo que ela mal as conhece... Eu não consigo.
— Olha, Morgana, eu sei que você não quer ouvir isso, mas... O que te fez achar que sumir seria a solução dos seus problemas? Você não pensou nas pessoas ao seu redor?
O que ela quer que eu diga?
— O que te faz achar que está certo simplesmente sumir de casa por três dias?
Não tenho o que dizer.
— Acha que ninguém se importa contigo? – sua voz é indignada – Não importa em como nos sentiríamos? E o seu trabalho? Você quer lidar com as coisas fugindo?
Meu peito dói, e meus lábios trêmulos. Sinto aquela onda salgada querer invadir meus olhos mais uma vez.
— É por isso que não me respondeu? É por isso que está me evitando?
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As incríveis desventuras de Morgana
RomanceDepois de passar os últimos sete anos em uma clínica psiquiátrica, Morgana tem alta e se vê tendo que aprender a viver fora dos muros, e o pior: ser adulta. Conforme vemos sua história ser contada por ela mesmo, adentramos nos seus medos, anseios...