IV - Certeza

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— Então você quer que eu bata no Guizo?

— Isso, mas bater sem bater, entendeu?

— Na verdade, não.

— Você vai bater nele, mas não de verdade porque eu vou impedir, assim ele vai ficar feliz e grato e vai parar de me ignorar.

— Não acho isso muito lega, skatista, e por que ele 'tá te ignorando?

— Eu também não sei, mas sei como resolver e pra isso preciso da sua ajuda.

Lírio olhou para Xande e em seguida encarou a marreta em sua mão, em sua mente mil imagens de como isso poderia dar errado e como ele poderia acabar ferindo Guizo. De todas as ideias ruins do loiro, aquela certamente se destacava.

— Não sei não, Xande.

— Isso é uma questão de vida ou morte, como você se sentiria caso o Chico parasse de te dar atenção?

— Eu ficaria triste... Mas, olha só, não sou o melhor com essas coisas de relacionamento, mas tô tentando ser menos impulsivo, não quero quebrar as costelas do Guizo assim do nada. Eu posso tentar te ajudar de uma maneira diferente.

— Droga. — Suspirou frustrado, cruzando os braços — Fala aí.

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Chico sentia-se preocupado. Lírio havia saído à horas e não era natural que o "amigo" saísse sem lhe avisar, menos natural ainda que saísse junto de Xande. Dara tentava convencer o menor de que talvez os dois estavam enfim acabando com suas brigas idiotas e agora até saíam para fazer algo juntos. Enquanto isso Guizo não falava nada, estava evitando tocar no nome do skatista e fingia não se importar com sua ausência.

Percebendo a "indiferença" de Guizo, Dara sentiu uma pontada de indignação atravessando seu ser, aquilo foi como se uma faísca caísse numa poça de gasolina.

— Como a única aqui que não está em um relacionamento, eu me vejo na obrigação de falar que vocês dois são chatos pra caralho. — Os dois homens a encararam supressos. — Vocês  têm uma necessidade infernal de arrumar problema, tudo está bem, tudo é ótimo, e então vocês decidem tirar problemas do cú.

— A gente não... — Tentaram falar.

— Não terminei! Eu sei que vocês estavam bem até ontem, mas desde hoje de manhã você têm ignorado o Alexandre sabe Deus o porquê. Eu que sou obrigada a dormir no quarto do meio, ouvindo ruídos suspeitos dos dois casaizinhos da casa, mas nunca fico com cara de bunda por isso, então quando vejo vocês brigados sendo que nada aconteceu e agindo com esse mau humor infernal simplesmente não me desce!

— ...

— Digo, apenas, por que vocês não fazem isso no quarto que não seja colado ao meu?! Se vão fazer do meu dia um cú, ao menos me deixem dormir tranquilamente à noite.

— Desculpa. — Ambos estavam vermelhos

— Não se desculpem se nada vai mudar, apenas façam diferente. — Dara saiu da sala massageando as têmporas.

A acastanhada desceu as escadas e seguia para a cozinha quando ouviu um barulho que anunciava um carro parando na frente da casa. Olhando pela janela para o portão por alguns segundos viu Lírio, que segurava uma caixa média em suas mãos, atrás dele estava Xande, guardando uma pequena caixa no bolso e olhando hesitante para o maior.

— Hm? — Murmurou para si mesma.

Ambos entraram na casa, Xande apenas olhou brevemente para Dara e saiu, enquanto Lírio foi até a mulher que encarava com expectativa e curiosidade a caixa.

No segundo andar, o loiro encontrou Guizo na sala de investigações juntamente a Chico. Olhou para o baixinho com um pedido mudo de licença, sendo atendido, Guizo tentou acompanhar o outro, mas foi barrado por Xande.

— Eu quero conversar. — Seu tom era manso, Guizo recuou e então ele fechou a porta — Porque você 'tá assim?

— Você não sabe?

— Não, você sabe que sou lerdo, nunca faça nada contanto com a possibilidade de "o Xande vai entender".

— Você tem razão, mas não 'tô bravo com você. — Cruzou os braços um pouco encolhido, sua postura denunciava nervosismo — Só com medo.

— Medo? — Se antes não entedia nada agora menos ainda.

— Xande, isso parece certo pra você? Nós dois? — Encarou com um certo peso o outro.

— Sim, por que não seria?

— Porque somos homens, entende? É estranho, acho que não deveríamos...

— Essa foi a coisa mais idiota que você já falou, e olha que você fala muita merda. — Cuspiu as palavras, não se daria o trabalho de entender a errônea linha de raciocínio de Guizo.

— Ainda assim, eu não 'tô errado. — Relaxou os braços, assumindo uma postura mais aberta.

— Você 'tá sim! E errado 'pra caralho. — Se aproximou, segurando as mãos do outro — 'Tô pouco me fodendo se nós somos homens, zumbis, qualquer coisa, eu quero ficar com você independente de tudo. Não me importo se as pessoas vão falar alguma coisa, já falam da gente o tempo todo, e você sabe que nossos amigos apoiam nós dois, isso já é mais que o suficiente.

— Isso não é tão simples.

— Não 'tô dizendo que é, só 'tô falando que independente da dificuldade eu quero isso, eu te amo demais pra desistir de ficar ao seu lado sem nem tentar. — Apertou as mãos alheias com leveza, mas transmitindo a urgência de suas palavras.

— Eu também te amo, mas tem certeza disso? — Cedeu, relaxando sua postura e tentando se conformar.

— Óbvio.

— Então tudo bem pra mim. — Abraçou o outro, sendo rapidamente retribuído.

— Tenho mais uma coisa pra falar. — Se afastou a contragosto — Se parecer estranho, eu tava desesperado e pedi ajuda pro Lírio então a culpa é dele, mas... — Se ajoelhou na frente do outro, puxando a caixinha do bolso, abrindo-a e revelando um par de alianças de namoro — Você quer namorar comigo?

— Cara. — Sorriu largo — O Lírio mandou bem pra caralho nessa, sim!

Assim o loiro pôs uma aliança no dedo alheio e outra em seu próprio, finalizando com outro abraço animado do falso ruivo.

— Que bagulho foda né? — O loiro disse ao se afastarem, encarando a própria mão com a aliança.

— Se tivesse ficado calado. — Guizo murmurou balançando negativamente a cabeça, mas sorrindo de soslaio.

— Não vou ganhar nem um beijo?

— Não, quebrou o clima. — Disse com humor, dando a volta por Xande e saindo da sala.

— Filho da puta. — O loiro sussurrou, logo voltando a sorrir de maneira idiota para a aliança.

Guizo desceu as escadas com um sorriso bobo estampado em seu rosto, mas aos poucos a expressão murchou novamente, não conseguia limpar sua mente nem mesmo com as palavras do loiro. Ao chegar na sala de estar avistou Dara sentada no sofá, acariciando um animal pequeno, peludo e branco.

— De onde você tirou isso? — Se aproximou, identificando que se tratava de um coelho e começando a acariciar o animal.

— O Lírio me deu. — Reparou na aliança na mão do homem — Você e o Xande se resolveram de vez? Oficialmente?

— Sim, finalmente. — Não conseguiu sorrir novamente, sua preocupação já havia assumido outra vez.

— Então não faz essa cara, fica feliz, sorridente, alegre. A gente vai estar do lado de vocês pra tudo, contra tudo e se precisarmos contra todos. — Deu um abraço desajeitado no amigo por estar segurando o coelhinho — Sei o que te preocupa, mas você pode confiar em mim, nada vai acontecer. — Guizo sorriu fraco, continuando a olhar para o coelho, no fim, ele escolheu acreditar. Era o que restava.

Interferência - SDOLOnde histórias criam vida. Descubra agora